A revista Veja há algum tempo se referiu ao personagem Capitão Nascimento, de Tropa de Elite, como “o primeiro super-herói brasileiro”.
Na verdade, contudo, Capitão Nascimento foi apenas o primeiro grande herói pop e levado a sério. Tempos atrás, lá pela Era de Bronze dos quadrinhos, porém, nosso país possuía seus próprios super-heróis para enfrentar ameaças das mais esdrúxulas.
Você duvida?
Olhe isso que eu vou lhe mostrar…
Brazil Begins
Começou assim: nos EUA os super-heróis começaram a ganhar força (termo interessante esse…) na década de 30, mas aqui no Brasil mesmo eles só engrenaram a partir das décadas de 50 e, principalmente, de 60.
Essa época havia a editora EBAL que dominava o nicho com os heróis Marvel e, como brasileiro adora ser esperto e dar um jeitinho, os pequenos editores resolveram copiar na cara dura alguns dos ícones americanos, adaptando-os para uma identidade nacional (bom…).
Dessa leva surgiram pérolas como o “Vigilante Rodoviário”, que era ainda um herói (não super-herói) e está prestes a ganhar uma nova série de TV hoje em dia, basicamente 50 anos depois de estrear na TV Tupi interpretado por Carlos Miranda.
Das HQs, porém, nasceram verdadeiros clássicos, como os que nós vamos relembrar abaixo.
Capitão 7
O primeiro super-herói brasileiro foi o Capitão 7.
O sujeito se tratava de uma salada mista do Super-Homem, Capitão Marvel, Lanterna Verde e Flash Gordon. Estreou em 1954 na TV Record, interpretado por Ayres Campos, teve programa de rádio e revistas em quadrinhos. Só na TV foram mais de 500 epísódios e com o detalhe: como todos os programas daquela época, apresentado ao vivo.
O “7” no caso era uma referência ao canal 7 que a Record ocupa em SP.
(“Não, moleque! Não é o National Kid não…)
A história do cidadão era ótima: antigamente, em uma pacata cidade do interior paulista, os pais do menino Carlos ajudaram um pobre alienígena perdido, bem provável mochileiro da galáxia, e que em retribuição retirou o garoto de casa (!) para levá-lo ao Sétimo Planeta (!!). No novo lar, o pequeno Carlos desenvolveria habilidades especiais e seria educado com decência por uma raça superior.
Sério, eu acho esse trecho digno de nota. Se eu tivesse um filho e um alienígena quisesse abduzi-lo por aí com essa desculpa, eu o colocaria para correr com tiros de espingarda, mas os pais de Carlos provavelmente eram pessoas bem mais pacíficas e acharam a ideia genial.
Nascia assim então o primeiro super-herói brasileiro.
Como não poderia deixar de haver uma identidade secreta, quando não estava combatendo ameaças da Terra ou do espaço, o Capitão era um tímido jornalista químico que namorava Silvana, a filha de um tenente da Interpol.
Não à toa, na TV Silvana era interpretada por Idalina de Oliveira, na época a garota propaganda número 1 da Record. De fato, uma pena que as videotapes desse clássico tenham sido perdidas em um incêndio na emissora.
(Olha como super-herói brasileiro lava a roupa…)
Raio Negro
Em 65, nasceu o Raio Negro. criado por Gedeone Malagola. É mais um herói da galeria clássica já. A história dele, contudo, não tem relação nenhuma com a do Lanterna Verde. Saca só:
O tenente e piloto da FAB Hal Jordan Roberto Sales um dia é enviado ao espaço em uma missão orbital, quando é sequestrado ou encontra uma nave espacial danificada, nunca entendi muito bem. O que importa é que lá dentro, ele conhece o alienígena Abin Sur Lid, que veio de Oa Saturno. Para recompensar a coragem e altruismo em ajudá-lo, o alienígena o entrega um anel de luz verde negra, feito com a energia magnética de Oa Saturno.
Graças a essa energia, Roberto Sales passa a voar, ter supervelocidade, superforça e disparar rajadas.
Nascia então o Raio Negro.
(“Não, garoto! Não é o Ciclope não! Tem que falar quantas vezes…”)
Curiosamente, também em 65, Stan Lee criou um herói chamado Black Bolt, o inumano mais poderoso do mundo.
(Ao menos o visual do Black Bolt de Stan Lee não tem nada a ver com o do nosso Raio Negro… nada… nada…)
O Judoka
Em 1969 surgiu outro clássico: o Judoka!
Por uma extrema coincidência, ele surgiu na edição 7 de um gibi que antes publicava um herói norte-americano chamado “Judo Master”, mas os editores afirmam que nem repararam a casualidade.
A história é bem direta: um estudante chamado Carlos da Silva (mais brasileiro não dá, né?) vivia apanhando da turma dos playboys. Um dia, Carlos-san conhece o mestre Shiram Minamoto, que o toma como discípulo. Junto com a namorada Lúcia, que no futuro se torna judoka também e sua parceira, no intervalo da procriação o casal sai pelas ruas de todo país surrando bandidos e outras ameaças esdrúxulas.
O caso do Judoka, contudo, tem algo de interessante: imagine uma década de 70, em plena ditatura militar, e os moleques tendo um super-herói verde e amarelo que exaltava o orgulho e a esperança de ser brasileiro.
As histórias se passavam no cenário do “Brasil, ame-o ou deixe-o”, do limite da censura, e a função do personagem em um caso desses pode ser equiparada a do Capitão América (em termos político) e do Homem-Aranha (em termos de nerdpower) para o povo norte-americano.
Isso acabava por algumas vezes gerar um efeito bizarro: transformava as HQs em uma espécie de guia turístico, parando a trama para exaltar as belezas do nosso país.
Apesar de ser carioca da gema, o Judoka chegou a enfrentar bandoleiros na construção da Transamazônica, gigantes de Apuarema em Salvador e até mesmo falsos marcianos no triângulo mineiro!
(“Não, moleque, não é o Besouro Verde não, p$##@! Chato pacaraio…”)
O sucesso nos quadrinhos foi tão grande, que durou cinco anos e ainda uma adaptação para o cinema: um fracaso de público estrelado por Pedro Aguinaga, que dizem ter feito com o Judoka o que Ricardo Macchi faria muitos anos depois com o cigano Igor.
Mylar
Criado pelo Estúdio D’Arte em 1967, Mylar é um extraterrestre casca grossa, que usa a própria nave espacial de QG e não a esconde em qualquer lugar não, mas nos penhascos de nada mais nada menos do que Fernando de Noronha. Seu objetivo por aqui era apenas dar uma passeada e conhecer os hábitos terrestres, além de mostrar aos terráqueos o poder da união e justiça para o desenvolvimento de um povo.
Utilizando um uniforme vermelho com um trovão no peito (oh, boy…), um cinturão que o permitia voar e atirar raios, além de uma máscara que estimulava fantasias fetichistas na mulherada e o fazia se dar bem de vez em quando.
(“Ó, garoto, nem vem, se vier me perguntar se é o Flash, eu vou lhe dar uma porrada, hein?”)
O detalhe interessante era que Mylar havia visitado outros planetas destruídos pela guerra, e suas histórias se passavam um ano depois da Crise dos Mísseis de Cuba.
Velta
E então em 1970, o paraibano Emir Ribeiro resolveu parar com esse negocio de trazer cuecas por cima da calça e decidiu que os brasileiros mereciam sua própria Druuna.
A história é a seguinte: Katia Maria Faria Lins (no comments…) um dia salva a vida de um alienígena (como parece ser obrigatório no clube dos super-heróis brasileiros), só que era um bem FDP que a usa como cobaia em uma máquina mental. Acaba que a coitada é alterada geneticamente e se torna o sonho de toda delicinha do Sedentário: sempre que quiser, a qualquer momento ela pode se transformar em VELTA.
E o que seria isso?
Bem, seria uma loira de olhos azuis e 2 metros, que tem alta resistência ao calor, imunidade a doenças, regeneração celular e dispara raios luminosos, explosivos ou elétricos.
Básico.
(Criador em momento fanboy, tirando uma casquinha da criação…)
Agora um detalhe MUITO perigoso, os tais raios luminosos, explosivos ou elétricos podem ser disparado de qualquer lugar do corpo….
(Imagine uma loira dessas disparando raios luminosos, explosivos ou elétricos por qualquer parte do corpo…)
Pensando bem, até que o alienígna não era tão FDP assim. E ainda tinha bom gosto….
Meteoro
Criado por Roberto Guedes em 1987, que escreveu até um livro sobre esses heróis brasileiros da era de Bronze, tornou-se um dos heróis mais reformulados da história nacional e atingiu um sucesso bem relevante a partir dos anos 2000.
A história de Meteoro originalmente não tem ligação nenhuma com a do Homem-Aranha e seria a seguinte: o jovem estudante Peter Ricardo “Ric” Marinetti (os nomes são ótimos, não?) é um sujeito que mora com os avós Ben e May, escuta o dia inteiro Luan Santana rock’n roll e vive se metendo “em altas confusões”.
Como não podia deixar de ser, ele é apaixonado pela garota popular da escola, a gata Gwen Laura Lopes. No caminho entre eles, o playboy Flash Thompson Ronei Moraes. E como desgraça pouca é bobagem, o garoto também é desprezado pelo pai, o editor-chefe do jornal Clarim Diário Arauto Paulistano, J.J.Jameson César Marinetti, que o detesta porque ele escuta muito Luan Santana a mãe morreu quando Ric nasceu.
Só que um dia um meteorito cai no jardim da casa do adolescente, enviado por um ex-membro da Sinarquia Universal, uma sociedade secreta extra-espacial que – claro! – pretende destruir o planeta Terra. Ao tocar na pedra, Ric ganha superforça, supervelocidade e capacidade de voar.
E nasce então o Meteoro.
(“Explosão de sentimentos que eu não pude acreditar…”)
O que diferenciavam as histórias do herói eram as ameaças ao redor de cenários adolescentes com rock’n roll, descobertas, gírias (como: cai fora, ô meu!) e pegação.
Mais tarde, ao ser reformulado, Ric Marinetti virou Roger Mandari, mudou o uniforme mais duas vezes e ganhou seus poderes através do contato com uma entidade misteriosa.
(“Tá, tá bom, moleque, pode comprar que é o Ciclope sim, aff, fazer o quê?”)
E hoje?
Esses super-heróis formam seis dos mais clássicos super-heróis brasileiros. Quase nossa própria Liga da Justiça. Normalmente nascendo de fanzines, como nascem super-heróis nacionais até hoje, ainda sobrevivem na memória dos leitores.
Dezenas de outros heróis nacionais foram criados (que merecem até outros posts) e dezenas ainda o são por fanzineiros ávidos para mostrar o próprio talento.
Contudo, ainda que dotados ou não de roteiros ufanistas, verborragias ou profundidade psicológica, a função desses heróis ainda será sempre a mesma: um grito de pessoas ordinárias em busca de possibilidades extraordinárias para modificar a pior parte de suas realidades.
Apenas tal esforço já é digno de uma medalha…
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ps: e o que acharam dos super-heróis brasileiros? Se quiserem citar outros heróis esquecidos no tempo, ou colocar links para fanzines originais nos comentários, inclusive, sintam-se à vontade, ok?
Enjoy.