Esse post será um post sincero.
Pode ser que, depois de ler o que tenho a escrever, você queria acreditar ainda mais no sonho de ser escritor profissional. Pode ser que você desista dele.
Sinceramente eu não posso tomar essa decisão por você nem sei o que será melhor para a sua vida, mas de uma coisa eu sei com certeza: nós dois já estabelecemos uma relação de sinceridade mútua, embora haja toda uma parnafernália eletrônica entre as questões que eu levanto e as que você comenta. Não importa; o que importa é que eu sou sincero quando escrevo e você é sincero quando me escreve ou mesmo me cede um minuto da sua atenção.
O fato é que hoje em dia existem milhões de pessoas querendo se tornar escritores profissionais, e existem apenas dez lugares na lista dos best-seller. Nesse momento, uma única escritora ainda reservou cinco desses assentos só para ela e, quanto mais rica ela fica, por mais tempo ela irá renovar essa reserva VIP.
Além disso, o número de vagas em uma editora de grande porte para um autor iniciante costuma estar reservado aos dedos de uma única mão, desde que essa mão pareça a dos alienígenas do Distrito 9.
Logo, hoje eu vou lhe falar sobre algumas regras desse jogo difícil chamado “mercado editorial”.
E, bom, eu não sei se você é do tipo que insiste no impossível ou que se agarra ao coerente; mas acredito com certeza que ao menos indiferente você não irá ficar.
Quer saber? Puxe uma cadeira, meu amigo; eu tenho coisas a lhe dizer…
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Antes, dois avisos rápidos: amanhã estou voando para São Paulo para ministrar no fim de semana o Workshop de Roteiros Fantásticos (rapaz, soube que vem gente de Recife pra fazer!), com inscrições gratuitas e patrocinado pela organização do Cinefantasy (se quiser, ainda há tempo para se inscrever), e também para participar de um bate-papo ao lado do André Vianco, nesse sábado do dia 07/11, promovido pela Livraria Cultura, do Shopping Villa-Lobos. Para ver o convite oficial, só clicar aqui.
Se vocês quiserem estar comigo em algum desses eventos, compareçam e se apresentem, por favor. Será um prazer conhecer os rostos por detrás dessa audiência que nos ajuda a movimentar a blogosfera.
Agora, o post de hoje…
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MERCADO FANTÁSTICO, OU O QUE RAPHAEL DRACCON PODE LHE DIZER QUE OUTROS ESCRITORES JÁ NÃO TENHAM DITO…
Mensagens rápidas, selecionando apenas alguns trechos, enviadas via protestos, twitter, orkut ou e-mail ([email protected]):
ÁLISSON: (…) enfim.. como disse.. estou escrevendo um livro… gostaria de saber os primeiros passos que tenho que dar pra começar a tornar isso realidade?
WILLIAN: (…) fala sobre o mercado editorial no blog depois, fica como sugestão…
ANA: (…) Quero apenas perguntar quais foram os meios que voce usou para conseguir esse admiravel feito de editar seu livro.? (…)
AMÉRICO: (…) A um ano e meio eu montei um projeto, com a inteção de escrever uma serie de 5 livros, estou ainda escrevendo o meu primeiro (…)
ELDES: (…) Também gostaria que me falasse do processo que antecedeu a publicação do livro. (…)
VITOR: (…) Outra pena foi quando você disse “hoje todo mundo está escrevendo um livro”, porque… bom, porque é verdade. Isso me entristece na medida que eu sonho escrever um também. ahahahah
ELZANI: (…) Sei que voce e muito ocupado e pode nao responder a este e-mail, mas se possivel gostaria de tirar algumas duvidas com voce sobre uma publicacao futuramente. (…)
Essas são apenas algumas mensagens recolhidas de maneira rápida por aqui dentre as muitas que tocam no mesmo assunto: escritores ainda não publicados pedindo conselhos a escritores que caminharam um pouco mais à frente do mesmo caminho que querem trilhar.
Isso é natural: eu recebo tais mensagens, como André Vianco recebe, como Thalita Rebouças recebe, como Stephen King ou Neil Gaiman receberão até depois da morte (não duvide de nada em se tratando de escritores fantásticos).
O que vou escrever abaixo eu já havia escrito antes, mas como as dúvidas sempre persistirão, e como o “Sedentário…” tem um alcance ainda maior de pessoas, acho relevante que eu o repita.
O fato é que não há uma regra; cada escritor chega lá por um caminho completamente diferente do outro. E se você chegar lá, provavelmente o seu caminho também será bem original.
O que podemos fazer é relatar um pouco de nossas experiências, ou do que aprendemos com nossas experiências, com o intuito de que você tenha suas próprias idéias de como fazer isso.
As dúvidas que todos têm já foram também as minhas antigamente, e, para o bem ou para o mal, as respostas até hoje ainda permanecem as mesmas de qualquer época.
Bom, o que eu teria a dizer então…
Eu poderia lhe dizer que é preciso ler muito, mas qualquer um poderá lhe dizer isso, até mesmo quem nunca publicou um livro. E se isso é preciso ser dito a você, provavelmente você não nasceu para escrever profissionalmente.
Eu poderia lhe dizer que você deve pesquisar bem o histórico de cada editora e descobrir antes de enviar seu original se aquela editora realmente publica, ou se interessa em publicar, o estilo literário que você pretende narrar (e se você não pensou nisso, corra atrás do carteiro enquanto pode antes de desperdiçar dois gordos dígitos em xerox e Sedex).
(Nosso amigo errou e achou que estava enviando o original para a editora do “Marley & Eu”, mas felizmente conseguiu pegar o carteiro a tempo…)
Eu poderia dizer que você não deve desistir, e que se acreditar de verdade no seu sonho no fim tudo vai dar certo, e que se ainda não deu certo é porque não chegou ao fim. Mas escolha qualquer livro na lista dos mais vendidos de autoajuda e ele irá lhe dizer coisas assim de maneiras muito mais rebuscadas do que as minhas (e que se estão figurando naquela lista foi porque funcionaram para seus autores).
De fato, eu poderia dizer um monte de coisas que você irá encontrar (e já deve ter encontrado) pela web de outros escritores ou editores comentando sobre o mercado editorial brasileiro.
Dessa forma, o que poderia lhe dizer de diferente?
Bom, como citei no início, vou ter um ataque de sinceridade, e dizer coisas que podem poupar seu tempo de investir nessa profissão realmente ou não.
Vamos lá:
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Você, como escritor amador, vai ser recusado em praticamente todas as editoras que enviar sua obra, e a maioria delas nem vai ler seu original (e não as culpe; o número recebido por semana é estupidamente espetacular), e isso não importa quantos anos você tenha.
As pessoas não o levarão a sério, e até a maior parte da sua família vai fazer pressão para você arrumar um emprego de verdade. Nas reuniões familiares, eles olharão de relance para você exatamente com o mesmo olhar de desgosto que um vizinho ateu, amante de Richard Dawkins, dedicaria a um evangélico que fosse à porta dele pregar a palavra de um deus. Se assim não o for, provavelmente será com o olhar de nojo com que um civil se depara com o corpo de um alienígena sendo preparado para autópsia.
Não importa; nenhum dos dois será agradável.
E ouça sua família: você realmente vai precisar de um emprego secundário até seu livro vender o suficiente (isso, claro, se ele vender o suficiente).
(O mercado editorial anda tão difícil, que hoje em dia escritor precisa até ser bem dotado…)
Você vai precisar ser escritor de mais de um livro.
Você vai precisar ser seu principal divulgador.
Você vai precisar falar de temas que conhece e de uma forma que ninguém tenha feito antes.
Você vai precisar não ter sido uma criança normal.
Vai ter de aprender na marra que uma técnica própria e uma boa redação lhe fará um bom escritor. Um universo próprio que só você possa alimentar lhe fará um autor.
Você precisará gostar do mundo. Ou odiar o mundo. Mas em hipótese alguma ser indiferente a ele.
Você encontrará gente falando mal do seu trabalho antes mesmo que ele chegue às livrarias.
Você terá de entender que toda dificuldade faz parte do processo. Você precisa ser testado até o limite; testado até querer desistir, mesmo para saber se você merece. Também é preciso muita; muita paciência. “Dragões de Éter” levou 4 anos para ser publicado a partir do momento em que foi finalizado, e esse é um tempo até relativamente curto do que é possível se esperar.
Você irá ganhar maturidade e experiência nesse tempo de espera.
(Definitivamente, isso é um exemplo de um tema conhecido de uma forma que ninguém tenha feito antes…)
Faça um dossiê da sua obra. Anexe nela comentários críticos, desde que sejam de profissionais de leitura crítica, e quaisquer documentos que comprovem que existe um público que consome o que você escreve. Use a internet; seja premiado em concursos literários; crie um blog. Entretanto, mesmo que você venha a se tornar um BlogStar, acredite na música dos peruanos ou naqueles conselhos de família com olhares estranhos no jantar: isso não lhe dará dinheiro. Uma certa fama, talvez; prestígio, de repente; contatos, com certeza; amizades virtuais, sem dúvida; dinheiro para largar tudo e viver disso… NOT.
Contudo, não leve a internet tão a sério. Se você passa mais tempo por semana em discussões inúteis de comunidades virtuais do que no solitário Word, então você não nasceu para o mercado editorial profissional.
Tenha postura de escritor desde o início. Preocupe-se com o seu trabalho; seus colegas escritores se preocupam com os deles. E dessa forma todo mundo fica feliz e ninguém precisa fingir simpatia quando se cruzar em eventos.
Peça a opinião de leitores críticos, mas também não leve tudo muito a sério. Quando você pede opinião a alguém, a outra parte se sente na obrigação de criticar qualquer coisa. E às vezes ela estará certa; como às vezes estará forçando um conhecimento apenas para parecer que mereceu ter sido escolhida. E se as pessoas soubessem com tanta certeza o que será um sucesso ou não no mercado editorial, elas seriam editores de sucesso ou estariam publicadas primeiro do que você.
Você precisará entender que todo mundo escreve um livro, planta uma árvore e tem um filho. Mas nem todo mundo nasceu para ser romancista, jardineiro ou assistente social por causa disso.
Se você quer escrever sem o intuito de vender livros, apenas “por amor à camisa”, junte dinheiro para publicá-los por conta própria e distribuir entre os familiares. Nem chegue perto da selva do mercado editorial de verdade. Do contrário ele não se chamaria “mercado”, se chamaria “ong editorial”.
Você tem de entender que é caro para uma editora lançar um livro. E que quanto maior a tiragem, maior a pressão para que você devolva o investimento deles. E que se você tiver uma chance e não devolver o investimento deles, você morreu no mercado editorial.
Você tem de provar aos editores porque o seu livro vai vender (ainda que a obra tenha uma qualidade literária excepcional e indiscutível), e porque eles devem escolher você no meio de milhares que querem a mesma vaga. Se você souber responder isso, aliás, já está na frente da maioria.
Você terá de entender que não importa quantos anos você tem, importa como você aproveitou esses anos. E que ninguém pode tirar de você o que já está dentro de você. Mas que, para isso, é preciso ter alguma coisa dentro de você.
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Bom, é basicamente isso que eu tinha a lhe dizer.
O resto você mesmo irá descobrir.
Agora, se sabendo de tudo isso você quiser insistir, e se, contrariando todas as leis da física você conseguir ser publicado, não morrer no primeiro livro e sobreviver ao mercado editorial, aí, meu amigo, prepare-se que a sua vida começará a mudar.
Afinal, ao menos as reuniões familiares e seus olhares de relance já lhe passarão a ser muito, mas muito mais interessantes…
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Outros links:
Os Quatro Fantásticos: Stephen King x André Vianco x Richard Matheson x Neil Gaiman
Vampire Rulez, ou por que Pokémon pode explicar o sucesso de Crepúsculo
Coletivas Fantásticas I, ou Raphael Draccon respondendo aos seus protestos…
Raphael Draccon em SP no fim de semana do dia 07/11