Chamar a atenção do consumidor, buscar uma preferência, transmitir uma mensagem de maneira eficiente e compreensível. Você pode pensar que humanos são os primeiros a tentar isso, mas a natureza já tem seus grandes publicitários.
Machos precisam chamar a atenção de fêmeas, abelhas e vespas avisam que são perigosas, parasitas imitam o cheiro de seus hospedeiros. A natureza está repleta de exemplos de comunicação bem sucedida.
Quem quer mandar uma mensagem precisa falar a língua de quem ouve, e aproveitar uma preferência que já existe é o caminho mais curto. E como animais possuem sentidos limitados e preferências inatas por sons, cheiros, cores e diversos outros padrões, tirar proveito deles pode ser muito vantajoso, trata-se de explorar o viés do receptor. Nada como mandar uma mensagem que simplesmente não pode ser ignorada.
Cucos são extremamente eficazes nisso. Como as fêmeas colocam os ovos no ninho de outras aves, seus filhotes precisar ser capazes de falar a língua dos novos pais, o que inclui não só ser capaz de imitar diferentes tipos de filhotes para pedir comida, como também fazer um apelo maior. Dê uma olhada no filhote de cuco canoro sendo alimentado por um rouxinol do caniço ali em cima. Se ele já é tão maior do que o “pai”, obviamente a comida para um filhote de rouxinol é insuficiente. Mas o cuco sabe como pedir mais. O chamado que ele faz não imita um filhote rouxinol, ele imita uma ninhada inteira, uma mensagem urgente pedindo muita comida. O sinal que os pais não podem evitar.
Sexo chama a atenção
Não só a audição pode ser usada. Olfato e visão também, mesmo por quem não sabe o que é isso. As orquídeas do gênero Orphys, por exemplo, são capazes de imitar o cheiro e o formato de uma abelha fêmea, de maneira que os machos ficam malucos para copular com ela, e no ato empolgado acabam polinizando a flor ⚊ confira os vídeos aqui e me diga se os machos não se divertem. Sexo, afinal, chama a atenção.
Fêmeas também têm suas preferências usadas. A cauda do pavão nada mais é do que um monte de olhos iridescentes que se movem. Cores fortes, movimentos, cantos variados, as aves nos dão vários exemplos de exploração do viés do receptor. Até programas de computador feitos para reconhecer padrões podem ser confundidos.
Humanos também?
E nós, humanos, racionais e dotados de cultura, não estamos menos sujeitos a isso. Nosso cérebro também possui suas preferências e seu enviesamento, que em parte são fruto do nosso passado evolutivo. O que é um sorvete, além de uma bola de gordura e açúcar? Um super estímulo para os nossos sentidos que foram selecionados para nos dar prazer quando encontramos comida rica em calorias. Quando nos lembramos de quanto açúcar há em uma fruta, ou gordura na carne, nos damos conta de por que a comida de fast food pode ser tão viciante.
Esta escultura de calcário com cerca de 25 mil anos (à esquerda), a Vênus de Willendorf (em homenagem à cidade próxima de onde foi encontrada na Áustria, em 1908), mostra pelo nível de detalhamento do rosto, braços e pés no que os nossos antepassados estavam interessados. É uma de várias outras esculturas anatomicamente avantajadas que encontramos, uma tradição com mais de 40 mil anos. E se você acha que este exagero é coisa do passado, que deixamos para trás esta preferência por super estímulos, compare com a modelo Sheila Hershey, brasileira com os maiores implantes de silicone. E antes de argumentar que a preferência não é comum, lembre-se das repetidas capas de Playboy com a mulher melancia.
O implacável Photoshop nos denuncia. Assim como uma galinha feliz (talvez até orgulhosa) ao chocar uma bola de futebol, aquele megaovo, nossa atenção é capturada por um olho aumentado, proporções de cintura e quadris irreais e todos os outros retoques frequentes. Já os publicitários ⚊ por tentativa e acerto imagino eu ⚊ fazem grande uso do viés do receptor desde sempre. Não só colocam mulheres onde possível, como buscam padrões visuais, cores, sons e o que mais preferirmos.
E o meu cachorro, que tem com isso?
Assim, entender como o cérebro funciona ou como a seleção natural nos moldou pode ser uma grande ferramenta, e meu cachorro já sabe disso. Ele late para qualquer coisa, ao contrário dos lobos de onde foi domesticado. Late quando está feliz, quando está nervoso, com medo, ansioso. E mesmo pessoas que não têm cães ou não conviveram com eles sabem discernir o que ele estava sentindo quando latiu. Nossa seleção inconsciente por lobos mais calmos, brincalhões e amáveis também favoreceu aqueles que sabiam se comunicar conosco.
E se você é uma pessoa que gosta de gatos, não fique chateado. Seu gato também sabe se comunicar melhor. De um jeito felino, claro. Enquanto o cachorro se esforça para falar a nossa língua, o gato quando está com fome usa um miado específico e agudo no meio do ronronar capaz de chamar a atenção de qualquer um, mesmo quem não tem um animal. É uma frequência parecida com o choro de um bebê, tornando o chamado mais urgente. Não podemos evitar que ele nos chame a atenção.
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Atila Iamarino é um biólogo curioso, autor do blog de ciência Rainha Vermelha e um dos criadores do ScienceBlogs Brasil. Acredita que a ciência conversa com qualquer área do conhecimento e que Darwin foi o cara.
Fontes (artigos por ordem de importância):
- Imagens daqui, daqui e daqui.
- Ryan, Michael J. “Sexual Selection, Receiver Biases, and the Evolution of Sex Differences.” Science 281, no. 5385 (September 25, 1998): 1999-2003.
- Pongrácz, Péter, Csaba Molnár, and Ádám Miklósi. “Acoustic parameters of dog barks carry emotional information for humans.” Applied Animal Behaviour Science 100, no. 3-4 (November 2006): 228-240.
- McComb, Karen, Anna M. Taylor, Christian Wilson, and Benjamin D. Charlton. “The cry embedded within the purr.” Current Biology 19, no. 13 (July 2009): R507-R508.
- Davies, N. B., R. M. Kilner, and D. G. Noble. “Nestling cuckoos, Cuculus canorus, exploit hosts with begging calls that mimic a brood.” Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences 265, no. 1397 (April 22, 1998): 673-678.
- Gwynne, D. T., and D. C. F. Rentz. “BEETLES ON THE BOTTLE: MALE BUPRESTIDS MISTAKE STUBBIES FOR FEMALES (COLEOPTERA).” Australian Journal of Entomology 22, no. 1 (1983): 79-80.