Podem me apedrejar a vontade, pois tenho duas confissões a fazer. Primeiro, gosto muito mais da DC do que da Marvel. E segundo, adoro maxi-séries. Isso mesmo, adoro aqueles selinhos nas capas das revistas mensais, mostrando que todas as histórias estão interligadas e têm alguma relevância (por mais que quase nunca tenham). Ainda lembro quando aos 10 anos de idade avistei em uma banca de jornal um exemplar empacotado do “Planeta Diário” com a manchete: “Terra para os invasores: Caiam Fora”. Essa edição fictícia do maior jornal de Metrópolis acompanhava o primeiro número da maxi-série Invasão! da DC Comics aqui no Brasil. E não era só a capa do jornal. Dentro haviam matérias explicando a origem das 9 raças de invasores e a cobertura do início da guerra entre humanos e extraterrestres. Pode até parecer bobagem, mas para uma criança era como estar imerso naquele universo e só restava esperar a primeira leva de cruzadores Domínions aparecer no horizonte. E não existia nenhum super-herói brasileiro (a Fogo não conta!). Fiquei bem preocupado.
O resultado dessa primeira compra é uma coleção razoável de gibis e quase 16 anos acompanhando quadrinhos. Apesar de todas as críticas, sempre gostei desse tipo de história, com enredo raso como um pires, mas com personagens transbordando para fora de cada página. Provavelmente resquício dessa primeira compra por impulso. Mas o fato é que ultimamente as duas maiores editoras americanas, Marvel e DC, parecem lançar uma maxi-série atrás da outra, todas prometendo reformular, redefinir, organizar ou bagunçar os heróis de seu catálogo. Mas vamos do começo.
O universo de heróis da DC Comics até os anos 80 era uma balbúrdia sem fim. Graças a histórias que não se encaixavam na cronologia dos personagens e a várias aquisições de personagens de editoras menores a DC criou o conceito de “multiverso”. Em poucas palavras, quer dizer que dentro de um mesmo universo existiam diversas terras paralelas e cada uma seguia sua própria cronologia e tinha características próprias para seus heróis. Por exemplo, existia uma Terra governada por vilões que eram versões quase fiéis da Liga da Justiça e o único herói deste lugar se chamava Alexander Luthor. Ou seja, uma bagunça total.
Para resolver esse problema, foi criada a série “Crise nas Infinitas Terras”, de Marv Wolfman e George Pérez. Aqui, todas as terras paralelas foram unificadas em apenas uma, que passou a representar a cronologia oficial da DC Comics a partir de então. Depois disso outras séries, não tão grandiosas mas seguindo o mesmo molde, foram criadas na DC, como: Lendas, Milênio, Invasão!, Projeto Janus, A última Noite, DC Um Milhão, só para citar algumas.
Mas a rival não ficou atrás e também teve sua cota de séries grandiosas, começando com Guerras Secretas e culminando com a recente Civil War, passando por todas as sagas do Alto Evolucionário, Thanos, e as grandes sagas mutantes. Mas existem algumas questões a respeito dessas maxi-séries, por exemplo: o que realmente muda após estes eventos? Os roteiros que prometem grandes reviravoltas passam mesmo a fazer diferença nas histórias que se seguem?
Não pode se negar que a Crise original realmente modificou de forma significante e definitiva o universo DC, mas muitas vezes o objetivo é só contar uma história gigantesca, vender revistas agregadas para compreender a trama e assim gerar maior lucro, o que é o caso das recentes Civil War, da Marvel, e Crise Infinita, da DC, o problema deles porém, parece ser admitir essa falta de propósito. Afinal, qual o mal de querer fazer uma grande história e vender mais revistas? Dessa forma tudo acaba se mascarando de uma importância quase desproporcional ao conteúdo apresentado.
Enquanto a casa de Superman preferiu dividir sua trama por toda sua linha de títulos mensais além de uma mini-série em sete partes, gerando assim uma obrigação de compra de quase 15 títulos por mês para se compreender o roteiro, a casa das idéias tornou a compreensão da história possível apenas através da mini, deixando os tie-ins (as histórias paralelas dos títulos mensais) como um atrativo extra para os leitores. As conexões existem, mas não há nada de essencial lá que impossibilite a leitura de Civil War separadamente, e isto parece ter atraído muito mais os leitores.
Crise Infinita não é ruim, muito pelo contrário, pega elementos da Crise original e converge uma trama que se estendia há quase um ano em um clímax bem interessante, além de criar um vilão capaz de rivalizar com Superman: o Superboy da extinta Terra Prime. O conceito da série é de que alguns personagens do multiverso conseguiram sobreviver a seu fim e em certo momento acharam que os rumos tomados por este novo mundo estavam errados. De certa forma, existe aqui uma crítica ao cinismo imposto das histórias recentes, onde os personagens principais tem que se encher de defeitos e tornarem-se quase tão perversos quanto seus antagonistas. Infelizmente não existe mais espaço no mundo para heróis com princípios morais.
Após os eventos de Crise Infinita, os três principais heróis da editora, Superman, Batman e Mulher Maravilha, passam um ano afastados de seus uniformes e este período é relatado na mini-série 52, sendo publicada neste momento aqui no Brasil. Originalmente publicada em 52 edições semanais (a duração de um ano) a mini conta o que aconteceu durante este período de afastamento e, apesar de contar somente com personagens secundários, é incrivelmente interessante e traz realmente vontade de ler o próximo número imediatamente. Além disso algumas das revistas em banca atualmente no Brasil prometem muito, é o caso do Batman de Grant Morrison, o Superman de Richard Donner (sim o diretor do Superman de 1979) e a Liga da Justiça do romancista Brad Meltzer, publicadas em suas revistas mensais homônimas. Já nos Estados Unidos há grandes críticas à DC pós 52.
Seguindo o sucesso de sua série semanal, a editora lançou Countdown, também em 52 edições retroativas que, dizem, culminará com uma “Crise Definitiva”. Esta aglomeração de histórias definitivas é que acaba terminando com confiabilidade em qualquer editora, uma vez que causa desinteresse e provoca aquela sensação de “mais uma vez”. Enfim, nem toda história tem que remodelar o universo para ser considerada relevante.
Enquanto isso, na Marvel, o fim de Civil War também trouxe menos “redefinições” do que se esperava. A grande alteração na dinâmica entre personagens que era proposta pela guerra entre super-heróis acabou não se provando assim tão forte, apesar de continuar com suas críticas sociais diluídas em pancadaria superpoderosa. A grande questão mesmo fica com Peter Parker e se este permanecerá ou não com sua identidade pública. Além disso o editor geral da Marvel, Joe Quesada parece querer acabar com a vida de casado do aranha e para isso criou a série “One More Day” onde Parker terá que escolher entre a vida de sua tia May e suas lembranças junto a Mary Jane.
O que parece realmente é que a cada edição que passa os roteiros tentam cada vez mais se aproximar de um mundo cínico, mais parecido com o real, onde as pessoas importam-se somente com seus próprios interesses, e conceitos como vingança, ódio e guerra são bem mais literais do que metafóricos. Os quadrinhos de antes, onde o altruísmo e desapego eram algo fundamental não tem mais espaço em um mundo onde tudo tem que ser descrito com verossimilhança. Parece até os anos 60, onde todo mundo possui algum poder graças a aranhas radioativas ou bombas de raio gama, com a diferença aqui que a histeria nuclear é substituída pela política. Todo mundo tem um lado, todos têm uma posição, e, ao que parece, todos são turrões o bastante para declarar guerras ou crises em nome de seu ideal de mundo. Lembra alguns líderes mais tacanhos, não?
Mas isso não é necessariamente uma crítica. Quadrinhos não tem que representar um momento estático de nossa história e, como toda forma de arte, irão evoluir e representar a sociedade atual. É muito bom ler algo que invariavelmente possui uma camada mais profunda, e que pode ser interpretada como bem quisermos, independente de gostarmos ou não do que vemos.
Um abraço!
Marton Santos