Há algum tempo os fãs de Thundera foram surpreendidos pela notícia de que estaria sendo produzida uma nova versão da clássica animação Thundercats.
Os boatos foram confirmados e recentemente já foi divulgado inclusive o trailer com o estilo dessa nova animação, colocado ao final do post.
A questão é que apenas lembrar do nome dessa marca já traz recordações indiscutíveis a todo moleque que cresceu se arrepiando com o som das cornetas que anunciavam a abertura da série. E alguns detalhes daquela produção eram tão visionários perto das animações que pipocavam naquela época, que analisando mais friamente é compreensível o sucesso por detrás do arrasa-quarteirão.
Então é sobre isso que nós vamos falar hoje.
Sobre como uma animação enxergava além do alcance.
ps: se pelo botão (mais) abaixo o post apresentar uma formatação diferente, ele poderá ser visualizado normalmente direto pelo link aqui.
A Trama
Justiça; Verdade; Honra; Lealdade.
A coisa toda começou lá pra 1985.
Produzida pela Pacific Animation Corporation, ao lado de estúdios japoneses que sabiam o que estavam fazendo, uma série com felinos humanóides e uma junção de tudo o que funcionava na cultura pop daquela época resolveu tomar de assalto a cabeça e o coração de todo moleque oitentista.
Na trama, um planeta mais entupido de felinos do que o esgoto de Calcutá chamado Thundera explodiu, deixando alguns sobreviventes enviados em naves para buscar um novo lar. Os protagonistas são guiados pelo sábio Jaga, o guerreiro mestre da arte dos Thundercats e o único humanóide vestido no episódio piloto. Na jornada ele se torna também o herói que se sacrifica para guiar a nave quando esta é atacada pelos bestiais do planeta Plun-Darr, desviando a rota do trajeto original.
Como resultado, a nave acaba por parar no terceiro planeta, chamado simplesmente Terceiro Mundo (sim, eu sei, fazer piada disso é chutar cachorro morto…).
(Em terra de felino, quem tem roupa é rei…)
No novo planeta, os sobreviventes precisam aprender a se reorganizarem e treinarem o jovem Lion-O, filhote e herdeiro da linhagem de Claudius, grande rei e detentor da Espada Justiceira do Olho de Thundera, sob os ideais do Código de Thundera de justiça, verdade, honra e lealdade.
Como nem tudo são flores, no novo mundo eles precisam enfrentar a ameça dos inimigos Mutantes, que se aliam e se tornam liderados por um dos vilões mais carismáticos e geniais da história da cultura pop: a múmia batedora de tambor Mumm-Ra.
Além de Lion-O, os outros Thundercats sobreviventes eram Panthro, Tygra, Cheetara, o casal de irmãos (hiperativos) Wilikat e Wilikit, e o irritante (sedentário) Osbert, conhecido pelo apelido de Snarf, que era uma espécie de gato fail, já que nasceu em um mundo de felinos humanóides, mas não conseguiu evoluir para 2º nível.
(– Snaaarf! Hei, Liiiiion-O, quanto XP gatos que nem eu precisam pra passar de nível?
– Nunca serão…)
Com alguma firewall defeituosa em sua cápsula de suspensão, Lion-O ao chegar no Terceiro Mundo já sai de sua cápsula um felino adolescente, embora imaturo. Guiado pelos companheiros Thundercats, o jovem leão noob precisa passar por provas de fogo, inclusive ao enfrentar cada um dos companheiros, para se provar o Senhor dos Thundercats e merecedor da Espada de Thundera.
O Segredo
O segredo por detrás do sucesso imediato de Thundercats esbarra em três fatores bem alinhados e desenvolvidos: mitologia, roteiro e marketing.
Como citado, os criadores da série resolveram juntar de uma maneira atraente e bem disfarçada tudo o que funcionava na cultura pop da época, gerando um produto final que se tornaria parte original dessa própria cultura.
Alguns exemplos rápidos:
Superman
- Assim como aconteceu com Kripton, Thundera explodiu e os Thundercats foram enviados em naves para um planeta desconhecido, onde aprenderiam a usar suas habilidades especiais para se tornarem heróis daquele planeta.
- Assim como a Kriptonita, havia o Thundrilium era uma versão da Kriptonita, pedaços do planeta Thundera que enfraqueciam os Thundercats e os deixavam até mais velhos.
(É, amigo, se a nave de Kripton caísse no 3º Mundo, Mumm-Ra estaria ferrado do mesmo jeito…)
Rei Arthur
- A Espada Justiceira remete a Excalibur (há inclusive um episódio que eles se enfrentam), tanto em relação aos poderes quanto à Jornada do Herói para se tornar Rei. E as provas de Lion-O para merecer empunhá-la trazem lembranças de algumas versões das provas do legado de Arthur.
Batman
- O Olho de Thundera projetado remetia ao Batsinal.
- As invenções geniais de Panthro eram como bat-acessórios.
- O Thundertank era como um Batmóvel furioso (assim como o Batmóvel anos depois de Christopher Nolan).
- A Toca dos Gatos era como uma Batcaverna.
(Demonstração de uma visão de marketing além do alcance…)
Star Wars
- Jaga não apenas parecia Obi-Wan; ele até mesmo se vestia como um Jedi.
- O código e vida dos Thundercats remetem ao código e vida dos próprios cavaleiros jedis.
- Os Berbils são descaradamente uma variação dos wooks.
(Bem, nem tão distante assim…)
Senhor dos Anéis
- O Olho de Sauron é uma espécie de pai bêbado não assumido do Olho de Thundera.
(Se em vez de gato, fosse Ratinho, rolava teste de DNA… #tumdumtudz)
Esses são alguns exemplos rápidos.
O importante foi que buscando elementos que já funcionavam ou seguiam tendências, e estruturando ao redor de um mitologia original que unia ciência, tecnologia, magia, capa e espada; aliada a uma trilha sonora potente e cenas de ação superiores ao padrão da época, a coisa tinha de dar certo.
O que é curioso de se pensar nos Thundercats é que tudo não foi apenas uma ideia a fim de vender brinquedos; realmente havia uma certa coragem dos roteiristas em alguns elementos, já demonstrados no episódio-piloto.
Para se dar uma ideia, em uma época onde não existia internet e nem sempre era fácil para um moleque conseguir conseguir a foto de uma playmate, ver em horário matutino a Cheetara peladona acordando um Lion-O adolescente, bem no estilo Amor, Estranho Amor, era algo de se tirar o chapéu.
(Não parece déjà vu de um clássico oitentista do cinema nacional?)
No Brasil eles ainda conseguiram o maior dos trunfos: Lion-O foi dublado por um dos maiores gênios da dublagem brasileira, o eterno e saudoso Newton “Bruce Willis” da Matta.
A dublagem brasileira de Thundercats, aliás, era um show à parte. Eu desafio aqui e agora um Sedentário que esteja lendo essa coluna e vivido essa época a assumir que jamais recitou ao menos uma vez junto com Mumm-Ra o clássico: “Antigos espíritos do Mal… transformem esta forma decadente… em Mumm-Ra!”.
Personagens
Uma ótima trama e uma excelente qualidade de animação não foram suficientes, contudo.
Assim sendo, os roteiristas de Thundercats foram mais longe do que satélite da Liga da Justiça e criaram personagens tão carismáticos, que era fácil para as crianças amarem até mesmo os vilões, como Escamoso, Abutre e Chacal. Os gatos do time protagonistas já tinham uma certa magia ao redor de si, que juntava personalidade própria, poderes super-heróicos e armas mágicas a la Caverna do Dragão.
(Imagine Bruce Lee com um desses…)
Havia uma motivação para cada um deles. Uma personalidade própria. Uma forma de se mover, de lutar; até mesmo de atender ao chamado do Olho de Thundera. Esse carisma rendeu bonecos, estojos, camisetas, cadernos, HQs; tudo o que uma franquia amada poderia render.
Tudo mesmo.
(A Playboy mais vendida de Thundera)
Assim como em Cavaleiros do Zodíaco, todo moleque espectador inevitavelmente tinha um preferido. E odiava Snarf.
Curiosamente, como para diluir esse ódio com o Snarf original, mais para frente os produtores resolveram criar o Snarfer, “o sobrinho do Snarf”! Um gato que não usava calças, mas usava cinto!
O intuito deve ter sido alcançado: a única maneira de fazer Snarf ficar um personagem suportável, talvez fosse mesmo criar um ainda mais inútil e irritante do que ele.
(“Número Quatro nada! Eu Sou o Número Um mesmo”)
Espíritos do Mal
Curiosamente, ano passado um caso inesperado trouxe a animação de volta às manchetes, e nem estávamos falando da nova série. Porque falávamos das páginas policiais.
Stephen Perry, roteirista do seriado, inicialmente já havia sido notícia por ter desaparecido por duas semanas na Flórida, assim como seus dois companheiros de quarto. Perry havia chegado aos 56 anos de maneira decadente, desempregado, com câncer e sem condições de cobrir as despesas da doença.
Duas semanas depois de seu desaparecimento, a polícia confirmou o homicídio (mais detalhes sobre o caso podem ser encontrados aqui). Sem dúvida alguma, infelizmente um final de caso muito mais sinistro e sombrio do que qualquer antigo espírito do mal convocado por Mumm-Ra.
Nova Série
Pelo que já foi mostrado até agora sobre a nova série, várias mudanças já ocorreram em relação ao original.
Inicialmente o visual. É notável que a nova versão salta em muito a linha que já havia no original em relação às influências orientais de animação.
A nova série não apenas não esconde isso no novo traço, como também na movimentação e enquadramento da própria animação em si.
Outra mudança é a grandiosidade dos conflitos. Nota-se uma preocupação em tornar o remake mais épico, com batalhas dignas de uma geração que aprendeu com Peter Jackson como se faz visualmente batalhas de exércitos fantásticos.
Seguindo o raciocínio, os personagens também ganharam armaduras mais realistas. Aliás, Lion-O está mais novo; Panthro está mais velho. Como afirmaram os próprios produtores, antes eles “pareciam uma superequipe”, e não é bem assim que eles pretendem contar hoje em dia a ascenção de Lion-O até seu trono por direito.
Sei que para os puristas, um remake desses soa como um sacrilégio. Ok, talvez até mesmo se prove ainda ser de fato. O estúdio responsável, contudo, foi o mesmo que gerou o curta Batman – O Cavaleiro de Gotham e o Animatrix. Os produtores são os mesmo de Batman: Os Bravos e Destemidos e Avatar: The Last Airbender. Logo, são pessoas com créditos.
Além disso, eles admitiram que na atual versão Snarf não fará piadas nem terá voz irritante.
Convenhamos, apenas isso já vale um voto.