Viajar no tempo é um dos temas mais instigantes da ficção científica e faz parte do imaginário mesmo daqueles que não curtem o gênero. Ele aparece em todas as formas narrativas da atualidade: da literatura ao cinema, dos desenhos animados aos videogames, dos seriados de TV às histórias em quadrinhos.
Atravessar os séculos em um piscar de olhos para conhecer ao vivo como era ou como será a Terra em um passado ou futuro muito distante foi o primeiro caminho que essas histórias trilharam: eram apenas um meio para levar o personagem até onde os eventos aconteciam. Esta era a proposta do primeiro livro de um dos fundadores da ficção científica: “A Máquina do Tempo”, de H. G. Wells, publicado originalmente em 1895. Saiba mais.
Em 1963, o tema ganha novo marco quando estreia na Inglaterra Doctor Who, a mais longa série de ficção científica do mundo, no ar até hoje. Um marco na cultura pop, transmitido em mais de 50 países, é o show mais lucrativo da BBC, mas não passa no Brasil e nem possui seus títulos lançados em dvd.
A sua premissa é bastante simples: um alienígena de forma humana, chamado apenas de Doutor, vive a bordo de sua nave, viajando pelo tempo e pelo espaço, visitando planetas e civilizações, salvando a vida na Terra e fazendo uso de sua inteligência, jamais utilizando qualquer arma e evitando toda e qualquer forma de violência. Um alienígena que é um verdadeiro herói cheio de boas intenções. Saiba mais.
Hoje em dia, porém, há heróis para gostos bem diferentes. Já não soa estranha a ideia de um que dispense virtudes clássicas como coragem, altruísmo e benevolência. Passamos a descrever como heróicos atos ou situações ocasionais que pouco revelam da moralidade de seus agentes. Criamos o termo “anti-herói” para pessoas que salvam vidas com o único objetivo de satisfazer os próprios excessos ou vícios (como o Dr. House, da série House), que favorecem impérios ao tentarem se tornar mais ricas (como Jack Sparrow, de Piratas do Caribe) ou que salvam o cosmo porque – que inferno! – os deuses decidiram que aquilo era trabalho delas (como o mago Rincewind, de Terry Pratchett).
Existe um tipo particular de personagem que representa melhor do que nenhum outro o quão “invertidos” nossos heróis podem ser: o vilão que enfrenta vilões ainda piores. Nesta categoria estão o serial killer Dexter e Godzilla, o monstro símbolo do Japão. Com intenções cruéis, amorais, horrendas ou danosas, os dois conseguem criar uma aura heróica a seu respeito sem provocar o questionamento ético do público: ninguém acha que Dexter está certo em suas ações assassinas, mas todos torcem por ele quando corre risco de vida, da mesma forma como ocorreu uma verdadeira comoção em todo mundo quando Godzilla foi morto pelo monstro Destoroyah, em 1995.
Aprender com a ficção pode ser o meio mais libertador de que dispomos, pois permite os experimentos mais selvagens e enlouquecidos. Através dela, podemos testar que heroísmo nos agrada, nos serve e nos cabe; ela também nos ajuda a manter em cheque tudo aquilo que, no “mundo real”, parece bom demais para ser verdade. Saiba mais.
Isso parece particularmente verdadeiro em tempos de guerra iminente, quando valores cívicos se afirmam com particular veemência. Pouco antes da Segunda Guerra Mundial, dois adoráveis personagens da animação faziam sua estreia. No entanto, o personagem que deveria representar o everyday american, isto é, o americano modesto, corajoso e perseverante, foi destronado pelo outro que representava o oposto: um sujeito atrevido, preguiçoso e com um incomum talento para quebrar regras e distorcer leis. Estamos falando de Gaguinho e Pernalonga – fato raro na cultura pop da época, o herói era desbancado pelo trickster.
O trickster é um arquétipo: ele pode ser herói ou vilão, não ser nenhum dos dois ou ser os dois ao mesmo tempo. O que importa é o seu posicionamento diante da ordem: ele faz a oposição velada, bem humorada, mais por prazer do que por engajamento. Ele não apenas quebra regras: ele as distorce, as desconstrói, revela suas contradições internas e seus defeitos. Diferente dos vilões que, em sua maioria, lutam por alguma coisa – na maior parte das vezes, ele não tem causa, só função: desestabilizar.
Talvez o melhor exemplo de trickster seja o deus Hermes, um personagem errático, mas ironicamente democrático: ele existe para oferecer perspectiva, existe porque os gregos já sabiam que, não importa o establishment vigente, sempre haverá anti-establishment. Por essa razão, o trickster possui mais longevidade do que a maioria dos heróis, que vão e voltam de acordo com os valores que devem representar. Saiba mais.
Um bom exemplo disso é o Capitão América. Mantendo uma incomum coerência diante de sucessivas mudanças, em essência o personagem sempre foi o mesmo: um herói que assumiu a responsabilidade de representar os ideais de democracia e igualdade de um povo, ainda que esses ideais não fossem praticados no dia a dia por esse povo ou por seus governantes. Deslocado do seu tempo e lugar, ele tenta se adaptar aos valores de uma nova época sem desvirtuar seu caráter e sem deixar de cumprir o seu papel de Sentinela da Liberdade. Ele age de acordo com sua ideologia pessoal, que o leva muitas vezes, mesmo sendo um soldado, a ficar contra aqueles a quem deveria obedecer sem questionar. Saiba mais.
Apesar dos exemplos de Pernalonga e Capitão América, muita gente ainda vê histórias em quadrinhos como algo que deveria ser abandonado ao final da adolescência. Este equívoco não impede que, vez ou outra, surja um autor capaz de elevar o interesse pelos gibis para além dos 16 anos de idade. Nos estúdios Disney, Carl Barks foi o maior desses autores. Lembrado pela qualidade do roteiro de suas histórias, onde ninguém é 100% bom ou mau, o criador de Patópolis era um mestre da narrativa. Não é à toa que suas HQs continuam sendo reeditadas no mundo todo. Saiba mais.
Faz todo sentido que alguns dos mais laureados autores da atualidade tenham encontrado nos quadrinhos um nicho onde pudessem deslanchar: aconteceu assim com Neil Gaiman. Em meados dos anos 80, nenhum outro segmento editorial seria tão receptivo à sua imaginação peculiar e ao seu primeiro sucesso: Sandman. Parte fantasia delirante, parte crônicas do cotidiano, parte comédia familiar, Sandman conta a história dos Perpétuos, entidades imortais que personificam aspectos centrais da vivência humana. Criaturas mágicas e metamórficas, mas também sujeitas a dilemas e manias de fácil empatia, os Perpétuos governam nosso mundo, mas também são reflexos dele. Saiba mais.
Se Neil Gaiman e J. K. Rowling são autores vistos quase como rock stars, há os que fogem dos holofotes. É o caso de Terry Pratchett. Um dos escritores mais importantes do Reino Unido, Pratchett abriu espaço no campo da fantasia moderna, recebeu importantes prêmios internacionais de literatura e foi feito cavaleiro por serviços à literatura e às artes. Espantosamente, nenhum dos seus livros virou filme. Terry Guillian (ex- Python que dirigiu Os Doze Macacos e Brazil) possui os direitos de filmagem de Good Omens e espera um estúdio que aceite produzir o longa. A Dreamworks mostrou interesse pelo Discworld, que só sairia “depois de Shrek 17”, segundo Pratchett. Saiba mais.
A onda de adaptações de aventuras e fantasias, no entanto, parece longe de perder força e sugere que, cada vez mais, serão tomadas liberdades em relação às obras originais. Agora, temos uma série de remakes que adaptam joias da literatura aos filmes de ação. Seria válido bulir em histórias que já fazem parte do nosso patrimônio emocional? Saiba mais.
Quando a obra adaptada mexe com o patrimônio cultural clássico, como no caso da cultura grega, a coisa fica mais delicada. É importante que reste um senso de respeito ao material com o qual o escritor lida e no qual se baseia. Rick Riordan, em sua série Percy Jackson e os Olimpianos, acerta ao sugerir que deuses gregos estão vivos, assim como qualquer ser mitológico, ao menos enquanto a cultura (e os leitores) assim os mantém. Saiba mais.
E são os leitores, cada vez mais, que fazem a diferença. No século XIX, quando Lewis Carroll publicou Alice no País das Maravilhas, algumas pessoas escreveram suas próprias versões da história, explorando o universo fantástico da narrativa. Naquela época, era comum que os escritores utilizassem personagens de outros autores, criando sequências para os romances ou até mesmo escrevendo versões diferentes de uma mesma história, colocando, por exemplo, um final feliz numa que terminava originalmente em tragédia. Essas histórias eram trocadas entre amigos em encontros como saraus literários e a sua divulgação era muito restrita, assim como o acesso aos livros em geral. Mas isso mudou com o advento da cultura de massa.
Quando o fenômeno da cultura de massa cresce em proporções globais, surge o fandom – que é o desejo de expandir universos ficcionais sem o intuito de lucro. Essa filosofia de criação aberta e o desprezo pelo copyright encontraram terreno fértil para expansão no ciberespaço. Com a popularização da internet, as fanfictions, chamadas carinhosamente de fanfics, se desligaram dos fanzines, passando a se desenvolver de forma independente. Saiba mais.
A cultura pop é voraz na sua procura por audiência e nada como os “clássicos” para garantir o retorno. Por outro lado, o boom dos romances vampirescos e da chick lit, a chamada “literatura mulherzinha” parece (ainda) viver um grande ciclo. É fácil notar, especialmente em megastores, que o espaço reservado ao segmento agora identificado como adultos jovens (young adults) continua a crescer vertiginosamente. Se antes as editoras recusariam sem pensar duas vezes um manuscrito voltado para este público com mais de duzentas páginas, agora não é incomum encontrar reedições e títulos novos bastante volumosos, o que mostra que os jovens também têm fôlego para grandes leituras. Meninos ou meninas, jovens ou adultos, ganhamos todos. Saiba mais.
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