Em meados dos anos 90 a garotada da minha rua foi passar férias em Florianópolis. A grande maioria tinha uns doze anos de idade no máximo. A grana era pouca e nós combinamos que – no último dia de viagem – faríamos um passeio de banana boat para fechar com chave de ouro.
Todo mundo concordou, exceto um garoto chamado Murilo. Ele argumentou que desejava comprar um mini game na feirinha da praia e naquela altura era uma coisa ou outra. Acabou optando pelo brinquedo.
Acontece que o passeio de banana boat foi muito divertido, cheio de histórias maneiras. O evento foi tão marcante que até hoje essa mesma galera se encontra vez ou outra e comenta do passeio. Exceto o Murilo, é claro. Ele não curtiu a aventura porque decidiu comprar algo em vez de viver algo. Eu sempre lhe pergunto:
– E aí Murilo, onde anda aquele seu mini game?
Ele nem se digna a responder. E por mais que disfarce – ao ouvir a alegria dos nossos comentários sobre aquele momento compartilhado – ele se ressente por não ter ido junto. Aprendeu na prática que um bom momento guardado na memória é a coisa mais valiosa que existe.
Você provavelmente conhece pessoas como Murilo. Eles sempre acham qualquer aventura cara demais, mas nunca reclamam do preço da nova TV de plasma…
Não estou dizendo que seu dinheiro não deve ser gasto com o que você gosta. Se o cara curte aquários ou windsurf e põe o dinheiro dele nisso, tudo bem. Acontece que hoje há uma discrepância muito grande entre gastos do tipo material e do tipo imaterial. Note que se eu compro um carro de 15 mil isso faz muito sentido para a maioria das pessoas, porém se eu gastar 15 mil em algo imaterial como uma viagem ou qualquer coisa intangível serei visto como um maldito esbanjador.
Por que julgamentos tão diferentes? Porque há uma ideia chula de que dinheiro bem gasto é dinheiro convertido em bens materiais. Essa é a falácia mais burra que já ouvi, mas encontra sentido em nosso mundo de aparências. Afinal, se eu não posso mostrar não tem graça e assim as aquisições imateriais ficam em segundo plano. O que trago de uma viagem além das lembranças do que eu vivi? Já o carro novo pode ser mostrado ao outro, é um objeto que está na vitrine da sua loja/vida. O problema é que as coisas envelhecem e perdem a graça.
É um princípio da nossa estranha natureza humana. Desejamos algo, possuímos esse algo e enjoamos desse algo tão rápido quanto uma estação do ano. Assim aquele celular tão desejado em pouco tempo se torna uma bobagem guardada na gaveta. E lá está você novamente à espera de um novo desejo.
Não se trata de achar que os gastos materiais não são necessários também. Ninguém quer viver dormindo na calçada ou dependendo sempre de transporte público e isso não é ruim. O problema começa quando se entra em um ciclo de desejar uma casa melhor, um carro melhor, um celular melhor, etc. Tem gente que fica tão envolvida nisso que esquece de analisar se esse “melhor” é realmente necessário. Partindo desse conceito simples e manjado há séculos a Apple – só para citar um exemplo – tornou-se uma empresa bilionária com seus Iphones que mudam de número, mas pouco aumentam as funcionalidades.
Por que não investir nossos gastos em bens imateriais? Melhor desejar uma nova experiência gastronômica, um encontro com os amigos, uma viagem. Esses momentos não podem ser guardados, mas são eles que definem se a vida de alguém foi bem aproveitada ou não. Sabe aquele acampamento com sua família lá onde o Judas perdeu as botas? Nunca será esquecido, por bem ou por mal. Jamais será como um celular novo perdido no fundo do armário.
Já citei essa história em outros textos, mas ela resume bem as minhas convicções sobre o tema. Um dia encontrei um viajante desses que fica anos na estrada. Ele me disse que viajar era seu único objetivo de consumo. Dos outros ele abria mão sempre. Eu perguntei por que. Ele respondeu:
Se eu compro alguma coisa material, enjôo dela em um mês. Isso acontece porque sou humano e meus desejos sempre se transformam em indiferença depois de um tempo. Mas com viagem é diferente. Viagem é um produto que eu só posso usar durante um determinado tempo, o período em que fico visitando aquele determinado lugar. Disso eu nunca me canso, porque nunca vou guardar uma viagem na gaveta. Ela sempre vai ser minha por pouco tempo e depois vai embora. Por ser humano, a ideia de jamais poder possuí-la fará com que eu sempre me lembre dela com nostalgia, desejando viajar mais e mais.
Quem dirá que ele não tem pelo menos um pouco de razão?
Abraço!
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