Você tem um relógio quebrado? Daqueles mecânicos, antigos, guardados em alguma gaveta carcomida? Pois vá buscá-lo neste exato momento porque com a força da mente/deus/google, ao segurá-lo em frente a seu monitor por cinco minutos, ele voltará a funcionar!
Uma multidão de espectadores ligou para o canal de TV, surpresos porque seus relógios quebrados realmente voltaram a funcionar, quando um certo paranormal fez esta chamada nos anos 1970. Mágica? Poderes psíquicos? Não, apenas estatística. Explico.
Se um milhão de pessoas estavam assistindo ao programa naquele momento, se apenas uma em cada dez televisões ligadas teve pelo menos alguém da família que resolveu ir buscar um relógio quebrado, bastaria que 0,1% desses relógios voltassem a funcionar para que nada menos que 100 relógios fossem “magicamente” consertados. Apenas 1 em cada 1.000 relógios agitados, segurados com convicção, e que talvez nem estivessem realmente quebrados para início de conversa – vários relojoeiros notaram que relógios mecânicos podem parar porque o óleo de lubrificação se solidifica, e segurá-los nas mãos por alguns minutos é suficiente para aquecer o óleo e lubrificar as engrenagens.
Parece improvável, mas este é justamente o ponto: quando você consegue alcançar um meio de comunicação em massa, atingindo milhões de pessoas, o improvável pode se transformar em certeza. Você pode imaginar que ninguém clica naqueles emails claramente fajutos de marketing multinível (“que não são esquema de pirâmide!”), herança de um rei da Nigéria, recadastramento de senha do banco e tanto mais. E de fato as chances de alguém cair nesses golpes é baixa, mas enquanto não for absolutamente zero, enquanto não for impossível, é apenas uma questão de fazer estas mensagens chegarem ao número suficiente de pessoas para conseguir um número suficiente de vítimas.
Isso explica por que recebemos tantos emails indesejados. É uma das formas mais simples e baratas de atingir o maior número de pessoas. Pois existe uma forma um tanto mais complicada, mas ainda mais barata de atingir um grande número de pessoas: o escândalo, que é uma forma antiga de “marketing viral”.
“Eu vejo isso com muita preocupação”, diz Dráuzio Varella sobre o atual pastor presidente da Comissão de Direitos Humanos. “Estão projetando um homem sem nenhuma expressão, está todos os dias nas páginas dos jornais. Ele mantém essa discussão toda porque só vai se beneficiar dela. E a discussão fica em cima do que é mais simples. É lógico que se você diz que os africanos foram amaldiçoados, isso ofende um grande número de pessoas. Se você diz que os homossexuais têm um comportamento que não é natural, você ofende outras pessoas e revolta parte da sociedade. Mas são os aspectos que estão na superfície deste tipo de autoritarismo”. E adverte: “Você vai ver o número de votos que ele vai ter na próxima eleição”. O vice-presidente do PSC, partido do pastor comemora: “Sem dúvida nenhuma, o partido saiu daquela situação de ser considerado um partido pequeno, que vivia em periferia”. O partido continua pequeno, mas não está mais na periferia da mídia.
Isso explica por que figuras públicas podem insistir tanto em ofender um número tão grande de pessoas. Só têm a ganhar, primeiro visibilidade, e então, o que é realmente preocupante, penetração e apoio da cauda longa de um público tão intolerante quanto a imagem escandalosa que projetam. Esta cauda longa preocupa. É o número de votos que Varella comenta na próxima eleição.
Ainda não há um filtro automático de spam que bloqueie as mensagens indesejadas destas figuras públicas. O filtro anti-spam de políticos pouco sérios deveria ser a estrutura política, o próprio partido e então as coligações de partidos deveriam evitar que uma figura ganhasse destaque desta forma. A própria mídia, tanto a nova quanto a tradicional, deveria filtrar estes factóides. Mas tanto a estrutura política quanto a midiática se beneficiam deste circo. Como se vê, os filtros não estão funcionando.
Deve estar claro que toda reação deve ser refletida, porque manifestações contra qualquer figura com uma melancia no pescoço podem acabar beneficiando estas figuras que buscam destaque e abrigo na cauda longa do ódio. Quem perde é a sociedade.