Hoje são quase 100.000.000 de brasileiros na internet. Segundo os últimos dados quase 80 milhões estariam nas redes sociais. Vocês conseguem imaginar o fluxo de conteúdo gerado por essas pessoas? Eu vou dar um exemplo. Apenas em 2011 circulou na internet mais informação do que a humanidade produziu em toda sua história de 2008 pra trás. É, isso mesmo. Em uma ano apenas. Mas se olharmos além do fluxo vamos chegar a um outro ponto talvez ainda mais perigoso. Estamos em uma era de personas digitais imagéticas. Pessoas que consomem apenas a imagem e o título, sem se aprofundar no conteúdo – quase nunca checam a origem. E sim, isso é um problema.
O sistema é relativamente simples.
Ao ser impactado por uma mensagem, ainda como target, a pessoa assume uma postura que pode ser positiva, neutra ou negativa. A neutra raramente causa algum tipo de reação, por isso vamos descartá-la. Já a positiva ou a negativa podem acionar um gatilho que transforma o target em veículo e o faz compartilhar um conteúdo levando-o adiante, impactando também o restante de sua rede. Chamamos isso de viralização. Um dos grande segredos desse tipo de postagem é explorar uma tensão social, mexer com algo que certamente fará com que as pessoas assumam uma posição positiva ou negativa, ou seja, o exagero, a exploração do absurdo, é uma constante.
Mas onde está o problema?
Está no fato de não checarem a origem ou veracidade do fato. Se você está na internet certamente foi impactado pelo vídeo do assaltante que foi baleado pelo policial ao tentar roubar uma moto. O vídeo causou um furor na internet atingindo 2 milhões de views em apenas algumas horas. E, claro, despertou todo tipo de debate. De um lado os defensores do “bandido bom é bandido morto”, do outro aqueles que defendem que o criminoso também é vítima. Bom, é um debate que não pretendo estender aqui já que não é o cerne da questão. A questão é que o fato gerou uma clara tensão social e com memes, piadas, montagens e notícias falsas que estão sendo compartilhadas em um volume fora do comum nas redes sociais. Quanto maior a tensão, maior os compartilhamentos, quanto maior os compartilhamentos mais pessoas que não checam a origem das notícias são impactadas e mais o conteúdo falso ganha corpo. É um circulo que se retro-alimenta.
Hoje recebi um inbox com o link de um post e uma única linha que dizia “Maria do Rosário, secretária nacional de direitos humanos, mas pode chamar de idiota”. O link é para uma matéria onde, mais uma vez, todos os clichês são explorados numa clara tentativa de explorar uma tensão social e fazer com que a notícia ganhe corpo. E funcionou. Minha TL está repleta de compartilhamentos da notícias e a maior parte dos comentários nesses posts não faz a menor ideia de que se trata de um site de notícias falsas. Sim, notícias falsas.
Isso não é exatamente novidade. O Cocada Boa, do Mister Manson, já enganava jornalistas e pautava veículos com notícias absurdas no início do surgimento dos blogs no país. Ainda hoje o Diário Pernambucano, G17, Bobagento e Jornal Verdade fazem o mesmo. É interessante dizer que a maior parte deles não tem como objetivo prejudicar ninguém, apenas buscam o humor pelo humor aproveitando a oportunidade para pregar peças nos desavisados e com a exploração de temas “quentes” ganhar algumas visitações e, consequentemente, alguma dinheiro.
Entretanto é preciso observar que nem sempre a coisa funciona dessa forma. No caso da Maria do Rosário o humor pode ter consequência funestas. Ao colocar na boca da Ministra frases como “O pior não é nem o ato em si, a violência gratuita praticada pelo policial. O que é mais chocante é a reação das pessoas, habituadas à cultura da violência, acabam reproduzindo o discurso elitista, reacionário, neo-liberal e fascista de que bandido bom é bandido morto” a brincadeira toma ares perigosos. Pela exploração da tensão social – ok, já repeti demais o termo – o artigo ganha alcance e com essa alcance é vendida uma imagem deturpada de alguém que não tem nenhuma relação real com aquilo que é exposto. O texto é compartilhado, gera milhares de impressões, e poucas pessoas vão perceber o absurdo por trás daquilo que é dito ou vão identificar que se trata de um site de humor. Dessa forma a imagem de “idiota” se propaga e pode ficar vinculada à Ministra. Para terem ideia o post já passou dos 12 mil likes e mais de 1180 comentários.
E de quem é a culpa afinal?
É do blogueiro que ao escrever o artigo não pensou no problema que poderia causar – e que pode ser processado por isso? Até que ponto ele é responsável pelo problema que causa a um terceiro? Não vou entrar na discussão do que pode ou não pode dentro do humor, não acho que seja pauta pra agora. Mas acredito que o maior responsável pelo problema seja a dinâmica atual de consumo e compartilhamento de conteúdo que ajudam a criar uma preocupante rede de desinformação. Sim, desinformação afinal a maior parte das pessoas que leram o artigo não se “divertiram” com a leitura – isso estaria exposto nos compartilhamentos. A maior parte deles apenas chocou-se com as falsas declarações que leram e as quais agora vinculam diretamente à alguém que não as disse.
O mais assustador é que não enxergo uma mudança dessa dinâmica a curto ou médio prazo. Pra uma rede de compartilhamento de conhecimento isso é um imenso contra-senso.
Fica o tema pra discussão e até o próximo texto sobre nosso querido universo digital.