Uma espécie de crise de identidade paira sobre Hollywood. Nunca vimos tantas produções derivadas de outras surgirem como nos últimos meses. Histórias que já foram contadas e carregam em si o estigma de clássico, mas voltam para as telas pouco a pouco para uma nova geração. Como “donos” (que nós mesmo nos auto-intitulamos) das décadas de 1980 e 1990, dói ver um novo remake, reboot ou spin-off surgir. Sempre paira aquela sensação temerosa de que nada pode superar o que já foi feito. Ou o medo de que isso aconteça de forma que rompa com a nossa ligação com o passado cinematográfico.
“O Agente da U.N.C.L.E” entra como parte desse imaginário tão bem concebido há décadas atrás, mas que agora encontra um público que, possivelmente, olha para as siglas U.N.C.L.E e é incapaz de tirar qualquer definição além de “tio”. A diferença, é que o produto original não é de um passado recente, tão pouco foi nos apresentado em intervalos de tempo curto, como tem acontecido como a adaptação de Spider-Man. “The Man From U.N.C.L.E” é dos anos 60, época de boa parte dos pais com filhos nascidos nos anos 80/90. Época em que o extinto canal brasileiro TV Excelsior a exibia como parte de sua programação semanal.
E a série de TV se perpetuou, mesmo após seu cancelamento em 1968. Fez uma união improvável no auge da Guerra Fria, colocando norte-americanos e soviéticos como partes de um projeto muito maior que todo e qualquer ego, poderio bélico ou intriga pós Segunda Guerra Mundial: a proteção do mundo. Se apropriando da popularidade dos filmes de James Bond, o cenário hollywoodiano une o amor pela tecnologia ainda precária com bugigangas extravagantes, a beleza e impecabilidade dos agentes secretos e o humor que quase beira ao pastelão de Peter Sellers, com a pitada exata que nos trouxe uma das melhores séries do gênero. O porque dessa vasta introdução? O cineasta Guy Ritchie entendeu que clássicos são inerentes ao tempo, mas que eles sempre podem ser revisitados como se fosse a primeira vez.
Em “O Agente da U.N.C.LE” temos o mesmo cenário histórico, com o Muro de Berlim dividindo a Alemanha Ocidental da Oriental, dificultando cada vez mais o sonho capitalista de uma parte da nação que permanecera refém do comunismo forçado. O desejo de uma vida próspera no lado de lá do muro une Napoeleon Solo (Henry Cavill), Gaby Teller (Alicia Vikander) e na pior das hipóteses coloca lado a lado como parceiro do alinhado americano, o russo Illya (Armie Hammer). Um plano de fundo caótico que reflete diretamente no plano central. O que poderia dar errado?
Em termos de produção, nada. Se esquivando da mesma premissa que a saga cinematográfica “Missão Impossível” optou, ao ignorar a construção da série original de mesmo nome que perdurou por sete temporadas entre 1966 e 1973, “O Agente da U.N.C.L.E” abraça seu papel histórico que a definiu como um sopro de vida nos tempos de outrora e constrói uma história simples, que consegue ser contemporânea, ainda que o ano seja 1964. Cuidadosamente bem executada, a produção entende o timing exato para o humor entrar em cena, não gerando choques de gêneros que poderiam comprometer o objetivo da trama, que é ser um filme de ação sério. Mas não tão sério assim.
É uma linha tênue, quase imperceptível que separa filmes de ação escrachados e exagerados de bons filmes de ação leves. Perceber onde está essa delimitação é um desafio muitas vezes fracassado por cineastas. Deu errado em “Homem de Ferro 3”, que na tentativa de ser leve, mas com momentos impactantes, se torna “engraçaralho”, desconstruindo os personagens e a trama a cada cinco minutos e confundindo o espectador, que não sabe muito bem como se portar diante do que lhe é apresentado. “U.N.C.L.E” vai pelo caminho inverso e acerta perfeitamente. Os momentos cômicos trazem o ar contemporâneo do filme, pois são atemporais. A comédia não reside no contexto histórico, não exige do espectador mais despretensioso um conhecimento prévio para de divertir. O cômico vem do viés de Peter Sellers e de seus clássicos como “A Pantera Cor-De-Rosa”: que seja apenas engraçado. Para todos.
Como roteirista, Guy Richie acertou como nunca! Uniu o humor atemporal sem torná-lo pastelão, mantendo a autenticidade do filme como sendo do gênero de ação. Não há desconstrução, tão pouco confusão. Você ri, sabe porque está rindo, mas continua levando o filme a sério. As rápidas cenas de ação, bem arquitetadas e coreografadas, sustentam isso, ao lado do cenário histórico que é extremamente sério.