Não voe por Congonhas

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Desde criança sempre adorei viajar de avião. Entrar e procurar a minha poltrona, torcer para ela ser na janela e ninguém mais sentar do meu lado; o avião decola, tudo se torna cada vez menor, como em uma maquete, até sumir entre as nuvens. Pensar que você está lá em cima no céu, flutuando. E a comida? Achava demais aqueles pratos todos pequenos e iguais. O arroz com o mesmo gosto do frango com o mesmo gosto do brocolis. E quando escurecia (quando escureciam o avião), filmes que você escutava localizando a frequência no fone da sua poltrona. Para criança, aquilo é um parque de diversões.

Você cresce e nem tudo tem mais graça assim. Mas eu ainda adorava, sempre imaginei “e se eu fosse piloto de avião”? Turbulências até pouco tempo não eram o problema. Já enfrentei uma das bravas quando menor, sozinha com meu irmão caçula no voô. Lembro-me bem de todos os passageiros gritando, o avião perdendo altitude e eu segurando forte a mão do meu irmão que dormia, torcendo para ele não acordar. Ele acordou e pequeno e inocente me perguntou o que acontecia: “nada não Rapha, volta a dormir”. Nada aconteceu afinal, foi só um susto, e um vôo de 9 horas sem poder desafivelar o cinto de segurança.

Agora estou viajando muito pouco de avião. Mas bate o medo. Perdeu-se aquele encantamento, a memória ficou ocupada com cenas das últimas tragédias. Zelo pelo meu pai que costuma viajar toda a semana e pela minha casa. Quando um acidente desses acontece mexe com todos de alguma forma, envolvidos ou nao. É difícil não pensar que pode acontecer novamente, mesmo a probabilidade sendo grande, assusta. Morar bem na rota dos aviões então, sabendo que o prédio vizinho ao seu é mais alto do que o permitido para a região e o avião passar rasante, assusta mais ainda. Agora até em terra podemos temer o pior. Lembro-me como se fosse ontem do acidente em Congonhas de 1996, fiquei impressionada e assustada por morar perto. É difícil não pensar: “e se fosse comigo” e agradecer muito a Deus por não ter sido.

O que aconteceu com o vôo da Tam de terça-feira foi um acidente. A probabilidade de isso se dar novamente é muito pouca, mas a frequência com que está acontecendo no Brasil é o que assusta. Por isso o Sedentário e Hiperativo também apoia o movimento, Não voe por Congonhas. “Pouco importa se a falha foi técnica ou erro humano. O fato é que Congonhas tornou-se inviável. Sem área de escape, com aviões cada vez maiores, é evidente que outras tragédias virão. Ou se fecha Congonhas, ou se executa um gigantesco projeto de reurbanização na região criando áreas de escape razoáveis. Como está, não pode ficar.”

Desde garoto sofre com as brincadeiras de seus professores que na hora da chamada insistem na piadinha “é o Júnior da Sandy?”. Otimista de plantão, acredita em duendes e no Brasil sem corrupção. Não ouviu o último do Caetano, mas achou uma merda. Leu todos os clássicos da literatura universal sempre com uma revista de sacanagem aberta no meio. Inventou a vassoura com MP3 player e câmera digital e pretende ficar rico com isso. Pretende fazer um mochilão a pão e água de Mossoró a Sinop no próximo ano. Nunca viu um disco voador e morre de medo de barata, “mas só daquelas grandes que voam”.