“Dois homens se perderam no grande deserto da China. Sofrendo a miséria da sede logo apelaram à misericórdia divina. Mahagiri ouviu seus lamentos e durante a noite lhes presenteou com duas garrafas de barro cheias d’água.
Ao acordarem os homens ficaram surpresos com o achado. Beberam tudo de uma só vez tamanha a sede que sentiam. A água era fresca e limpa como nas nascentes das montanhas. Um deles agradeceu aos céus, mas o outro reclamou:
– Do que adianta? A água já acabou, não escaparemos da morte!
Foi então que perceberam que as garrafas não ficavam vazias. Por mais que eles bebessem, a água voltava a encher o recipiente. Felizes por receberem aquele milagre os dois fizeram o caminho de volta para casa. Ao reencontrarem sua aldeia natal ficaram tão felizes que resolveram se refrescar no rio. Um deles mergulhou e percebeu que a água estava amarga e intragável.
Mahagiri então apareceu para explicar-lhes que o milagre da garrafa de barro também era uma maldição:
– Só a água dessas garrafas poderá matar sua sede daqui para frente. De agora em diante a vida de vocês é frágil como um vasilhame de barro.
Um dos homens imediatamente enrolou a própria garrafa em panos e decidiu nunca mais sair de casa com medo de quebrá-la. O outro homem também sentiu temor, mas como era corajoso viu a situação de outro modo. Aproveitou o fato de ter um suprimento de água infinito para tornar-se mercador.
Partiu de sua aldeia e viveu por muitos anos fazendo comércio pelo mundo em diversas rotas mercantis. Conheceu os lugares mais incríveis que se possa imaginar. É verdade que em diversas ocasiões quase quebrou sua preciosa garrafa, mas nunca se acovardou.
Um dia quando já se encontrava velho resolveu voltar à aldeia natal. Lá encontrou o amigo vivendo em uma cabana da qual raramente saia. Tinha uma expressão de cansaço e era simples notar a dureza que fora sua vida.
De qualquer forma os dois sentaram-se para comer e celebrar o reencontro quando ouviram ao mesmo tempo o barulho do barro se rompendo. As duas garrafas estavam inexplicavelmente trincadas e vazias.
Eles esperaram cientes de seus destinos. O covarde temia tanto a morte que em apenas algumas horas sua boca já estava seca como o deserto. Definhou tão rápido que morreu ao anoitecer.
O mercador ainda velou o corpo por algumas horas antes de adormecer. Acordou na manhã seguinte com o barulho da voz estrondosa de Mahagiri:
– A morte chega para todos os homens. A única diferença é que alguns deixam esse mundo ainda sedentos pela vida.
O mercador então percebeu que apesar de todo o tempo sem beber água ainda não sentia sede. Mahagiri lhe estendeu a mão e ele simplesmente dormiu como se estivesse indo descansar depois de um dia bem aproveitado”.
Não desperdice a vida com medo de quebrar sua garrafa. Aproveitei seu curto tempo para viver intensamente. Um dia todos partiremos desse mundo, mas só alguns partirão satisfeitos.