A cada entardecer os soldados que protegem a fronteira entre Índia e Paquistão realizam uma apresentação bem peculiar. Durante a arriação da bandeira de ambos os países, os militares fazem uma pequena disputa para mostrar todo o seu patriotismo. A Cerimônia Wagah é tão famosa que já se tornou uma atração turística acompanhada por milhares de turistas.
Um velho subia as escadas que dão acesso a Machu Picchu. Usava bengala e um tubo de oxigênio, além de contar com o amparo de uma enfermeira. Tinha o rosto desfigurado pelo esforço. Quem já fez sabe que esse é um caminho cansativo, mas é no topo que está a melhor vista da Cidade Sagrada. Senti-me mal pelo velho. Por que esperou tanto para viajar? Agora já não tem mais forças. A aventura de descobrir novos lugares tornou-se um tormento físico. Não há como aproveitar, o tempo dele simplesmente passou.
Meu guia notou meu olhar sobre a carcaça do velho. Era ele também quase um ancião. Baixa estatura, pele curtida e nariz de Inca. Perguntou o que eu achava, respondi apenas que tudo tem seu tempo. Ele então me ensinou algo poderoso:
Só fica velho quem desiste dos próprios anseios. Talvez seu corpo padeça, mas a juventude não está nele. A juventude está na coragem e determinação em realizar o que se quer. Esse homem que sobe as escadas não traz com ele sua velhice. Ele carrega em si uma confiança enorme, algo que independente de seu corpo. Quantos homens querem subir esses degraus e nunca virão? Quantos homens já desistiram antes de tentar? Quantos homens já estão velhos antes de estar? Esse homem que sobe as escadas não é nenhum deles, ele conseguiu.
Parei quando faltavam alguns lances de escada. Esperei o velho. Queria olhar seu rosto quando visse Machu Picchu. A Cidade Sagrada é a coisa mais linda que eu já vi nos meus anos de estrada, mas nada que se compare aos olhos marejados daquele homem.
Pensei então em quem está velho antes de estar. Senti-me mal novamente, mas dessa vez com razão.
Um jovem advogado foi indicado para inventariar os pertences de um senhor recém falecido. Segundo o relatório do seguro social, o idoso não tinha herdeiros ou parentes vivos. Suas posses eram muito simples. O apartamento alugado, um carro velho, móveis baratos e roupas puídas. “Como alguém passa toda a vida e termina só com isso?”, pensou o advogado. Anotou todos os dados e ia deixando a residência quando notou um porta-retratos sobre um criado mudo.
Na foto estava o velho morto. Ainda era jovem, sorridente, ao fundo um mar muito verde e uma praia repleta de coqueiros. À caneta escrito bem de leve no canto superior da imagem lia-se “sul da Tailândia”. Surpreso, o advogado abriu a gaveta do criado e encontrou um álbum repleto de fotografias. Lá estava o senhor, em diversos momentos da vida, em fotos em todo canto do mundo.
Em um tango na Argentina, na frente do Muro de Berlim, em um tuk tuk no Vietnã, sobre um camelo com as pirâmides ao fundo, tomando vinho em frente ao Coliseu, entre muitas outras. Na última página do álbum um mapa, quase todos os países do planeta marcados com um asterisco vermelho, indicando por onde o velho tinha passado. Escrito à mão no meio do Oceano Pacífico uma pequena poesia:
Não construí nada que me possam roubar. Não há nada que eu possa perder. Nada que eu possa tocar, Nada que se possa vender.
Eu que decidi viajar, Eu que escolhi conhecer, Nada tenho a deixar Porque aprendi a viver.
PS: pessoal, replicaram esse meu texto sem citar o autor, foi no Instagram de Max Porto, “o artista que queria ser um BBB e não um BBB querendo ser artista”. Algumas pessoas reclamaram, mas o dono do perfil disse que não tem como saber a verdadeira autoria, por isso ele não deu crédito. Vocês podem me ajudar?
Sempre sou atacado por dizer que a Disney – como destino turístico para adultos – é uma idiotice. Muitos me taxam de tirano e dogmático, afirmando que sou contra um princípio simples da liberdade: um indivíduo deve fazer aquilo que gosta.
Muito bem, notem a fragilidade dessa linha de raciocínio. Que tal um pedófilo que é feliz ao estuprar garotos de cinco anos? Impediremos esse homem de ser feliz? É claro que é um exemplo extremo, mas serve para ilustrar que a coisa não é tão simples como sugerem os filósofos dos comentários. Não se trata só de fazer o que gosta e pronto. O buraco é mais embaixo.
Começa pela própria construção do querer. Percebam que nossos gostos pessoais são o resultado de um processo bastante complexo e muitas vezes à parte de nós mesmos. Um exemplo básico seria a escolha da religião. Tendo nascido no Brasil em uma família católica, uma pessoa teria mais chances de ser cristã ou muçulmana? Se trocarmos o local de nascimento para o Afeganistão, não trocamos também a direção desse gosto pessoal?
Descrição do Pecado: o viajante espera tanto de sua viagem que – ao menor sinal de contrariedade – fica muito irritado. Isso acontece porque ele idealizou cada momento e se encheu de expectativas.
Exemplo: em visita ao Peru ouvi dois gringos muito decepcionados conversando. Eles reclamavam que o clima nublado tinha estragado a visita a Machu Picchu (nem estava tão nublado assim). Pareciam chocados com o fato de que a chuva era uma possibilidade durante sua incursão.
Solução: viagens fazem parte da vida real. A vida real, por sua vez, não é perfeita. Relaxe e viaje desarmado, sem idealizar. É bem mais provável que os grandes momentos da viagem surjam inesperadamente e não de acordo com o que você planejou.
2 – Despreparo
Descrição do Pecado: nesse caso o viajante não está preocupado com o básico. Deixa as coisas para a última hora, não se preocupa com a logística da viagem.
Exemplo: uma vez fui ao aeroporto tirar minha Carteira Internacional de Vacinação. Na fila tinha um cara fazendo o mesmo, só que ele ia viajar em duas horas. Acontece que a carteira de vacinação dele não tinha o número do lote da vacina de Febre Amarela, uma exigência da ANVISA. Resultado: não conseguiu embarcar.
Solução: planejar demais o roteiro é furada, pois você perde os momentos espontâneos, em geral os mais legais. Por outro lado, há que se atentar muito ao básico, em especial documentação, passagens, hospedagem, enfim, fazer o dever de casa com atenção e antecedência.
Essa moça é a Thaís Buratto da Silva. Ela perdeu uma bela viagem para a Indonésia porque na fila de embarque seu pai comentou algo como “ainda bem que não descobriram que você é terrorista”. Uma gracinha que custou muito caro.
Falar o que não deve é um hábito humano. Ele aparece geralmente em dois momentos distintos: ou durante um acesso de ira ou quando se está empolgado demais. Creio que no caso do pai de Thaís tenha sido empolgação pura e simples.
Não me atrevo a dizer que alguém deveria perder um vôo por causa disso, afinal terrorista nenhum se diz terrorista antes de entrar no avião. O ponto que discuto aqui é o controle das emoções, em especial da empolgação que invade o viajante antes de sua tão esperada incursão ao desconhecido.
Para compreender esse fenômeno vejamos um contexto análogo. Há nos Estados Unidos uma cadeia de lojas para entretenimento familiar chamada de Chuck E Cheese. Lá dentro as pessoas comem pizza e seus filhos podem se divertir usando uma enorme variedade de brinquedos. O local é perfeito para organizar festas de aniversário de criança. Tinha tudo para ser um ambiente de paz e diversão, mas não é bem assim. Sempre rola uma briga entre famílias no Chuck E Cheese.
E isso acontece – pasmem – por causa de excesso de felicidade.
Minha mala apareceu na esteira do Aeroporto Ciampino com um buraco de 10 centímetros. Por sorte o forro impediu que alguma roupa saísse. Não sei como diabos aquilo aconteceu e nem me preocupei em saber. Arranjei uns pedaços de silvertape rosa (?) com um cara do guarda volumes e resolvi o problema. Roma começou assim.