Um soldado endeusado, que transpira o espírito ufanista norte-americano em meio à fragilidade do país durante a Segunda Guerra Mundial. Este é o contexto em que o personagem Capitão América apareceu nos quadrinhos pela primeira vez em dezembro de 1940. Todos os atributos político-sociais norteiam e se entrelaçam com a composição do herói, que protagonizou seu primeiro filme solo em 2011. E este é o problema que nós tínhamos com Capitão América. Um herói quase plastificado, dado à sua perfeição de traços, conduta moral e conceito. Um herói intocável, inalcançável a até mesmo de difícil identificação.
Mas essa crosta em forma de áurea que cercava o personagem aos poucos se desfez nas telas de cinema e com ela renasceu no público um dos sentimentos mais preciosos: a admiração. E “Capitão América: Guerra Civil” abre as salas de cinema no fim do mês de abril como aquele herói que, à medida que teve sua perfeição desconstruída diante dos olhos da audiência, construiu pontes com este mesmo público, se tornando um dos heróis mais humanos da Marvel Cinematic Universe (MCU), fazendo da sua fragilidade sua maior arma de combate.
A mais nova adaptação de quadrinhos é forte nesse sentido. Quebrando o ufanismo cansativo e rompendo de uma vez com ritmo do primeiro filme da trilogia, que desagradou muito fãs e teve opiniões polarizadas, o terceiro capítulo da saga do herói americano traz fragmentos de seu segundo filme, aprofundando ainda mais a tenra e admirável amizade entre Steve Rogers (Chris Evans) e Bucky Barnes (Sebastian Stan).
A trama mais do que nunca torna claro que seu verdadeiro calcanhar de Aquiles é e sempre será seu tumultuado relacionamento com o antagonista, que vive uma eterna briga com sua mente. Expondo ainda mais a fragilidade desse herói, entra em cena o debate ideológico que traz à mesa questões morais e de honra, deixando bem claro que a linha que separa o certo do errado é mais tênue que pensávamos ser.
Por ousar em ir nesse aspecto, a Marvel ganha pontos. O grande “problema” nesse sentido é justamente o pouco aprofundamento nessas questões morais durante boa parte da produção. Em certos momentos do filme somos pegos avaliando mentalmente se de fato as motivações ideológicas de ambos os lados são realmente tão impactantes a ponto de justificar o embate corpo-a-corpo. Essa interrogativa nos acompanha por toda a primeira metade do filme, nos deixando com a amarga sensação de que o roteiro não vai desenvolver isso.
Mas, como um estúdio que não dá ponto sem nó em seu universo, somos surpreendidos por um clímax que repara o tal “problema”. Com um viés quase puxado para o plot twist, o filme atinge o nível de profundidade que ansiávamos no princípio, colocando Tony Stark (Robert Downey Jr.) no foco central da famosa Guerra Civil, mudando a motivação do campo ideológico para o campo emocional, mesclando com traumas de infância, ego e sombras do passado. E neste exato momento o elo que liga os protagonistas ao público se fortalece, permitindo que o sentimento de identificação permeie entre todo o público e para todos os personagens, de um jeito ou de outro.
Para não fugir à regra das produções da Marvel, o roteiro é permeado pelas clássicas sacadinhas cômicas e frases de efeito que rompem com a tensão entre as cenas de luta e as partes mais dramáticas entre os principais protagonistas. Com exceção de alguns momentos, em que a falta de timing traz piadas desnecessárias que se perdem entre risos abafados pelo despropósito em cortar a tensão da cena em questão, os desconhecidos roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely acertam na mão, trazendo um bom equilíbrio para o filme.
E por falar em equilíbrio, o MCU nunca esteve tão bem amarrado e delineado e a parceria entre o estúdio e a Sony Pictures não apenas funcionou incrivelmente bem como também se encaixou dentro da trama com precisão. É claro, estou falando do Amigo-Da-Vizinhança, que pela terceira vez faz sua estreia nos cinemas. A diferença é que o trabalho em equipe entre concorrentes e o desejo em recriar o personagem mais popular dos quadrinhos da Marvel com fidelidade nos presenteou com aquele que – ouso dizer – promete ser o melhor Homem-Aranha já adaptado para o cinema.
Tom Holland não apenas foi a cartada certa de ambos os estúdios, como a composição conceitual do personagem é impecável. Com atributos genuinamente adolescentes, Peter Parker é introduzido ao universo bem construído como aquele garoto vislumbrado e facilmente impressionado, com certa imaturidade comum à idade, que fascina a audiência em cada diálogo extensamente explanado. Para ajudar a compor a grade de aparições, “Capitão América: Guerra Civil” ainda nos introduz à origem de Pantera Negra, vivido por Chadwick Boseman, que ao lado de Spidey rouba a cena em diversos momentos, nos distraindo do próprio personagem homônimo e ‘dono’ da história.
Com cenas de ação que se assemelham a takes de videogame, o filme encanta pela grandeza nas lutas, lindamente coreografadas e filmadas em uma rapidez alucinante aos olhos. O estúdio teve o cuidado em trabalhar a estética dos conflitos corporais com efeitos poderosos e movimentos acrobáticos surpreendentes, nos entregando em uma bandeja um banquete quase insaciável tamanho nosso apetite. “Capitão América: Guerra Civil” se assume também como uma produção cíclica, que de maneira sutil apresenta o novo à medida que nos dá leves ares de despedida, com a possibilidade de – em um futuro não tão distante – não desfrutarmos mais da presença carismática dos atores Robert Downey Jr. e Chris Evans em seus tão aclamados heróis.
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