Recentemente, nosso um dia mais amado herói, responsável por carregar em suas costas todo o peso do orgulho de nossa redescoberta autoestima finalmente resolveu acordar para o quanto andava pisando em sua própria história e no amor que milhões, este que escreve incluso, o devotavam.
Sim, senhores, ele mesmo, Ronaldo Nazário, nosso Fenômeno, o indestrutível craque, jogador completo, capaz de atuar em qualquer posição que o colocassem do meio pra frente, dono de um domínio e controle de bola poucas vezes visto, rápido, de um raciocínio veloz como suas pernas, percebeu que andava dormindo e acordando com cobras e provando de seu veneno.
Ciente do quanto andou se contaminando com a imundície que cercou a preparação despreparada para a Copa da Fifa – hoje, infelizmente sabemos, aquilo nunca foi “do mundo”, mas de algumas dezenas de mafiosos, como muito bem lembrou o jornalista britânico Andrew Jennings em seus recentes livros sobre o futebol e a instituição -, o Fenômeno resolveu romper com o governo, respondeu ao Romário, se disse envergonhado com tudo que nossos (di)gestores nos fizeram, tirou foto ao lado do Aécio Neves.
O já consagrado “12 anos de escravidão”, vencedor do Oscar de melhor filme deste ano, é um épico baseado no livro autobiográfico escrito em 1853 por Solomon Northup, filho de escravos liberto e nascido em Nova Iorque, mas sequestrado em sua cidade natal e vendido como escravo para fazendeiros na Louisiana.
A partir daí, Northup, homem sensível e educado, afeito ao violino, desce rumo ao abismo do trabalho forçado, do destrato frequente, da anulação de sua personalidade, da violência física sem limites durante os 12 anos aludidos no título.
Um quadro de agonia descrito pela primeira vez com verve na página 30 do livro: “Cheguei a pensar que morreria sob o açoite daquele amaldiçoado bruto. Ainda agora minha carne estremece sobre os ossos quando me recordo daquela cena. Eu me sentia inflamar, e meu sofrimento não poderia ser comparado a nada menos do que as abrasadoras agonias do inferno”.
O cineasta britânico Steve McQueen, como já é de seu feitio desde os ótimos “Hunger” — talvez sua mais crua e difícil obra, sobre guerrilheiros do Exército Republicano Irlandês (IRA) pegos nos anos de tolerância zero do império britânico e que encontram na greve de fome o único modo de resistência — e “Shame” — uma reflexão melancólica sobre o esvaziar dos sentidos e afetos de nossos tempos, na perspectiva de um homem viciado em sexo –, desce aos círculos infernais na companhia de Northup e carrega consigo eu, você e quem mais estiver à frente da tela.
Infelizmente, este é o resultado de fatores diversos e cotidianos em nosso país. À falta de escrúpulos de empresários, uniu-se a omissão do Estado (que não fiscalizou o funcionamento de procedimentos de segurança anti-incêndio) e, de acordo com informações de quem lá estava e sobreviveu, a irresponsabilidade de alguém que resolve acionar um sinalizador dentro de um local fechado. Sem querer ser leviano, mas ainda que não tenha sido um sinalizador, qualquer um sabe que não se faz show pirotécnico em locais de teto baixo e muito menos com revestimento de isopor. Agora, o que resta é dar os pêsames às famílias e desejar força a elas para as longas batalhas judiciais que serão travadas daqui em diante.
Para quem gosta da coluna, ótima notícia. Para os que não gostam, só resta o de sempre: sufocar de raiva, pois estamos de volta, após três meses ocupadíssimos cobrindo o mensalão. Neste período, deu pra pensar em algumas coisas para manter o conceito da coisa aqui com algumas concessões a sugestões de amigos (olha só que incrível, eu até gosto de ouvir algumas pessoas). Como de praxe, não vou explicar as mudanças, mas quem sabe ler entenderá. Quem não sabe, só insistir um pouco que termina entendendo também.
Gosta de zumbis e histórias de terror? Eu também adoro modas de dois séculos
Bem, o título deveria incluir e fantasmas e demais seres sobrenaturais, mas é melhor ir logo ao assunto. Os zumbis fazem parte da tradição norte-americana desde muito antes dos Contos da Crypta. Eles são parte do imaginário saxão e anglo-saxão desde pelo menos o século XVIII. E estou falando só de literatura e não da cultura afro-americana espalhada pelo Delta do Mississipi nem de pactos com o canho feitos por bluesmen nas encruzilhadas.
Se no Novo Mundo, gigantes como Edgar Allan Poe e Herman Melville deram um jeito de assustar meio mundo com seu ideário de culpa protestante filtrada pelo horror sobrenatural, histórias relacionadas a mortos-vivos, fantasmas e possessões também brotam da mente de escritores como Walter Scott, Daniel Dafoe e, especialmente pra este texto, Robert Louis Stevenson desde antes de alguém pensar em fazer uma série televisiva (ou quadrinhos) chamada The Walking Dead.
Claro que a explosão para o imaginário da cultura pop se deu já nos anos 1950, quando aos medos protestantes uniu-se a ideia do fim do mundo via esquentamento da Guerra Fria e ou cataclisma nuclear. Quem estiver a fim de sentir a respiração um pouco suspensa e aquela adrenalina de coração acelerando sem perceber o motivo, pode ir direto em Janet, a Aleijada, do Stevenson. Tem pra baixar num monte de lugares. Portanto, go Google, go go.
Quase trezentos e quarenta anos separam o nascimento de dois cavaleiros. Conhecidos por muitos nomes, um já foi chamado de figura triste; o outro, de cruzado aterrorizante. Apesar das mil e uma ilações possíveis nos intervalos que separam e unem Batman, o Cavaleiro das Trevas e O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, pretendo fugir um pouco do conceito da coluna e ser direto.
Isso, claro, apesar da minha mania de, como diria um gigante nosso, “ser mau contador, precipitando-me às ilações antes dos fatos”, à maneira do próprio Quixote e oposto ao Batman: soturno, carrancudo, praticamente mudo.
Mas retomemos o foco: esquelético, o primeiro é fisicamente fraco, mas de uma nobreza moral inabalável, sonhador, miseravelmente solitário, obviamente louco, cheio de remendos e cicatrizes. O segundo é ultra forte mas igualmente escravo de seus devaneios, virtuoso e tão miseravelmente só, louco e cheio de cicatrizes e remendos quanto seu par. Se não for mais.
Sem nada disso em mente, entrei na última quarta-feira para assistir o fecho da trilogia cinematográfica de Christopher Nolan para o Cavaleiro das Trevas. Dos muitos aspectos que poderia ressaltar a esta altura do campeonato, a certeza de que Nolan é realmente um dos maiorais de sua geração (e só não é O maioral porque teve o azar de nascer na mesma época de uns caras chamados Paul Thomas Anderson e Darren Aronofsky, tão virtuoses na técnica de audiovisual quanto ele e cheios de ideias e criatividade nas histórias de maneira equivalente).
Um cara bastante talentoso resolveu ter aquele tipo de insight que cairia bem ao que o suíço Carl Gustav Jung vivia escrevendo sobre a humanidade ter um inconsciente coletivo que vive em sincronicidade perene. Coincidência ou não (aos céticos o que é dos céticos, diria Jesus Cristo) e fez uma animação excelente sobre Herman Hesse
atravessando Jung ou o contrário. Dá uma olhada aí que é, vai.
Há exatos 15 anos, em junho de 1997, veio ao mundo um acontecimento universal em formato de álbum (coisa mais ultrapassada, eu sei) chamado OK Computer, de uma certa banda de Oxford, Inglaterra, batizada com o homônimo de uma canção dos Talking Heads, Radiohead. Parecia só mais um disco de rock a ser incensado pelos críticos, pois feito por uma das bandas hype do momento, fervilhamento oportuno do chamado brit-pop. Parecia. Mas era muito mais.
Daqueles raríssimos insights/instantes na arte que determinam clássicos, a obra conseguiu captar e transformar em acordes, letras e melodias a essencial e quase imensurável angústia de uma geração nascida nos anos 1970, criança nos 1980 e que viu-se cheia de promessas não cumpridas nos 1990. Todo mundo iria ser rico ou famoso ou os dois.
Um tempo em que os meios de comunicação prometiam maior interação com seu público – aos menos aos mais abastados (e aqui estamos falando do Brasil) – por meio de programação e publicações segmentadas e pagas. A técnica em design gráfico e as aplicações práticas das novas tecnologias começavam a atingir aqueles 80 metros finais de escalada, próximos de onde ou as coisas dão certo ou vai tudo pras cucuias e todo mundo morre. Pra nós, nem internet havia direito ainda. No primeiro mundo também não era essa maravilha toda não, apesar de alguns anteciparem o que viria a reboque de tudo isso. É nesse interstício que vamos encontrar o homem responsável por estas linhas e as que seguem.
No mundo físico, dentro da tradicionalíssima Universidade de Oxford, entretanto, as promessas haviam sido redimensionadas e todo mundo já sabia aonde poderia ou deveria chegar. Todo mundo, exceto um tal de Thomas Yorke. Esse, outsider por excelência, havia saído há pouco de seu curso de literatura inglesa e lançado dois outros discos com sua banda, mas algo vinha mudando explicitamente dentro dele desde o segundo álbum, o também perfeito The Bends.
Na sincrocinidade junguiana – sem esquecer nunca os conceitos retirados dos estudos de seu mestre, Freud –, podemos torcer o conceito até atravessar (não sem cicatrizes, e não, não vou situar coisíssima nenhuma) o belo hegeliano, chegar às excelentes divagações literário-filosóficas de Walter Benjamin acerca da clarividência de certos artistas e irmos parar em Franz Kafka. Sim, mas não na história do inseto, mas num outro volume de textos curtos intitulado “Um Médico Rural e outros contos”. E dentro dessa salada toda, temperada ainda por Douglas Adams e Herman Hesse (citados pelo próprio Thom Yorke àqueles tempos), entender o que gerou a mescla de sonho, pesadelo, inconsciente próprio e desamparo/consciente-coletivo chamado (só a ironia salva) Ok, Computer.
1 – Adorar o House não faz de você um gênio; não é imitando a atitude dele (sendo babaca e arrogante) que você vai se tornar um.
2 – Pregadores evangélicos são tão ridículos quanto pregadores de ateísmo, marxismo, socialismo ou o caralho que o parta;
3 – Não, ditadura não é aceitável, seja em Cuba, no Afeganistão, no Iraque, na Rússia ou no caralho que o parta novamente;
4 – Essa história de que o governo atual rouba menos porque é mais fiscalizado e por isso aparece mais os desmandos é conversinha fiada de quem dele se beneficia. O país avançou devido a um movimento da indústria, do comércio e da própria dinâmica da economia que já data de pelo menos 40 anos, a saber, o início da industrialização de fato do país, rural durante séculos;
5 – Não são só ALGUNS religiosos que se acham iluminados por Deus, portadores de algo mais especial que os demais seres humanos (em uma certeza tola, mas ainda assim transcendente). TODO comunista/marxista que eu conheço ou conheci sofre da mesma doença adicionada por uma bem pior: a certeza da infalibilidade da sua doutrina (ainda que esta seja material, imanente), de seus preceitos éticos, da sua própria moral, que muda toda hora, ao sabor da conveniência dos companheiros. Exemplo prático: adoram falar em democracia quando se trata de eleições ou de defender medidas regulatórias pra imprensa, mas cospem com raiva no prato sempre que o regime cubano é questionado.
6 – Você não é contratado do Pânico nem do CQC, seus amigos NÃO são celebridades, portanto, você não precisa ficar fazendo babaquices pra expô-los (colocando videozinhos e fotos vexatórias na internet). As piadinhas internas do seu grupo são engraçadas só pra você e seu grupo, guarde-as pra si;
7 – Devido aos mesmos motivos do item 6 e também por causa do item 1, é simplesmente falta de educação ficar falando tudo que vier à sua cabeça aos seus amigos e conhecidos (especialmente via redes sociais). Você não estará demonstrando inteligência nenhuma sendo mal-educado e grosso com os outros. São tempos confusos estes, pois celebridades são criadas de maneira instantânea, entretanto, convém não esquecer que elas são desfeitas com a mesma velocidade e, quando caem, nem uma
folha levanta do chão e, na maioria das vezes, a tal celebridade não ganha um tostão sequer com isso.
Sugestão bibliográfica para um debate produtivo (não encham antes de ler):
– O 18 Brumário do amado Karl Marx dos comunistas;
– Ciência e Política, Duas vocações, do Max Weber;
– Verdade – Um Guia para os Perplexos, do Simon Blackburn;
– Passado e Presente – do Antonio Gramsci (que, ironicamente, acabou levando a tchurminha, geralmente universitária, de 1960 pra cá a achar que todo tipo de sacanagem é válido para chegar à tal revolução sem armas – que eu, particularmente, desconheço e desacredito – dentro do poder constituído, mas que serve pra alguma coisa quando a questão são suas ideias aplicadas à pedagogia do ensino público);
– Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo – também do bom e veio Weber;
Quer ter conhecimento? Esse jamais existiu sem sofrimento e isolamento, portanto SOFRA! Esse problema, nem o Google resolve pra você, filhão.