Sua história não é um mistério, tão pouco algo que esconde relatos bombásticos nunca antes divulgados. Steve Jobs sempre foi uma figura pública e publicamente muito popular. Sua biografia, lançada pouco depois da sua morte, trazia detalhes cruciais sobre seus hábitos, sua mente de raciocínio rápido e seu caráter, que em alguns momentos colocou em cheque sua figura paterna. E também já tivemos um filme, em 2013, que trouxe boa parte de sua trajetória de forma cronológica, alinhando os amantes de seus produtos à sua história. Mas “Steve Jobs”, de Danny Boyle, não é sobre isso. Não se trata da História do Criador da Apple. Se trata da personalidade do homem por trás do mito.
A expressão é batida sim, mas é completamente cabível neste contexto. Aaron Sorkin, roteirista e ganhador do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por “A Rede Social”, optou por uma narrativa atraente, que une os principais fatos da história pessoal e profissional de Jobs ao seu caráter, desmistificando o frontman da empresa de tecnologia. Ao reunir momentos emblemáticos da sua vida pessoal, trazendo-os para o ambiente corporativo (sempre em um lançamento de um produto idealizado por ele), Sorkin nos ajuda a compreender um pouco mais porque o caráter de Steve Jobs possuía discrepâncias de suas aparições públicas, sempre regadas a momentos clínicos de humor e leveza. Ao invés de se apropriar de uma linha do tempo sistemática, onde uma sequência de fatos é desenrolada diante de nossos olhos, acompanhamos sua dificuldade em se relacionar com as pessoas, seu ego inflado e orgulho que muitas vezes o tornava uma pessoa difícil de lidar.
Ainda que nenhuma das cenas de bastidores de fato tenha acontecido, como o próprio Steve Wozniack afirmou em entrevista à Bloomberg, todos os assuntos são reais. Eram questões reais, apresentadas em situações conflituosas reais. O que torna tudo o que nos é mostrado na tela genuinamente real. E a habilidade do roteirista premiado em saber manipular verdades de forma criativa, saindo da confortável linha do tempo, torna a apreciação de “Steve Jobs” muito compensatória. Ao contrário do que vimos em 2013, temos na atual versão algo totalmente novo, relatos de uma vida que se firma em personalidades, tanto dos seus protagonistas como coadjuvantes.
A forma de trazer à luz uma história que, honestamente, nos desanimou com o mau resultado da produção “Jobs” (que contava com Ashton Kutcher como protagonista), torna todo o filme uma verdadeira obra prima. Com diálogos bem estruturados, rápidos e atuações cheias de entrega, a nova obra de Danny Boyle reinventa o estilo das cinebiografias, eliminando o “era uma vez” e o “viveram felizes para sempre” do catálogo. Com uma trama que é interrompida em seu auge, terminamos de assistir a “Steve Jobs” atônitos, por querer ir um pouco mais além do que foi mostrado, tamanho é o envolvimento que temos com os personagens em cena.
E por se tratar de um filme focado em personalidades, aspecto também evidenciado por Aaron Sorkin em entrevistas, a cinebiografia entrega o que queríamos ver: além da óbvia consolidação da Apple como marca que dita tendências. E é aí que as atuações roubam todos os momentos do filme. Kate Winslet assume o papel de Joanna Hoffman, responsável pelo marketing do Macintosh, de forma tão brilhante que é impossível não admirar cada movimento seu em tela. Sua voz é firme em seus diálogos e demonstra bem o poder de influência que Joanna exercia na Apple e na vida de Steve. Já Michael Fassbender nos absorve nos primeiros cinco minutos de filme, na cena de início. Determinado e arrogante, ele entrega uma de suas melhores atuações, mostrando um lado cheio de desenvoltura completamente diferente do perfil introspectivo que vimos no aclamado Shame (2011). Seth Rogen novamente assume bem o papel coadjuvante como Wozniack, mostrando seu grande potencial. Talvez o que lhe falte seja sair um pouco mais da sua zona de conforto e tentar se desaviar em papéis ainda mais dramáticos, para então faturar uma indicação ao Oscar como fizeram seu colegas de filme.
A direção de Danny Boyle nos faz ter saudades de filmes como “Quem Quer Ser Um Milionário” (2008), “A Praia” (2000) e “127 Horas” (2010). Com cenas aceleradas e alguns cortes rápidos, vemos seu estilo muito bem impresso ao longo de toda a produção, nos lembrando porque amamos tanto seus filmes. Uma cena em especial é fascinante. Nossos olhos são ofuscados por um tenro momento em que Steve Jobs tenta compensar sua fraqueza como homem, em meio a luzes brilhantes e à lindíssima canção “Grew Up At Midnight” da banda The Maccabees. Somos levados pela mesma sensação de êxtase que os personagens contemplam naquele instante, pensando “não pode ficar melhor que isso”. E não fica, porque Danny encerra “Steve Jobs” como nós gostaríamos, mas só soubemos no exato momento que fomos introduzidos àquele eterno instante.