Minha mala apareceu na esteira do Aeroporto Ciampino com um buraco de 10 centímetros. Por sorte o forro impediu que alguma roupa saísse. Não sei como diabos aquilo aconteceu e nem me preocupei em saber. Arranjei uns pedaços de silvertape rosa (?) com um cara do guarda volumes e resolvi o problema. Roma começou assim.
Cheguei na cidade quase às dez da noite e resolvi não ir direto para o centro. Reservei um albergue nas proximidades do aeroporto e fiquei por lá mesmo (Central Station Inn, 20 euros em quarto quádruplo). Paguei só 8 euros no táxi, deixei a mala no quarto e fui procurar um local para comer.
Uns russos que estavam na recepção me disseram que logo na esquina existia um bom restaurante. O nome era Re Artú (Rei Arthur?). Já passava das dez e meia e só umas duas pessoas estavam comendo. O cenário não poderia ser mais italiano, toalhas de mesa quadriculadas, fotos de jogadores de futebol penduradas e um garçom usando avental. Pedi um macarrão à matriciana e ganhei uns pãezinhos de couvert. Paguei 18 euros e pareceu meu inadequado para um restaurante num bairro longe do centro. Mal sabia eu que aquela era somente minha primeira lição sobre uma das cidades mais caras da Europa.
No dia seguinte bem cedo peguei o trem na estação Ciampino (1,30 euros) e parei na Termini, bem no centro da cidade. Meu hotel ficava próximo da estação, então fui andando mesmo, já tinha verificado o caminho no Google Maps. Aliás não peguei metrô em Roma para nada, andei todo o tempo, nada mais me pareceu muito longe. Minha hospedagem chamava-se Hotel Lirico, diárias em quarto single por 55 euros. Muito chique e bem localizado, tinha até um frigobar no quarto.
Troquei de roupa e caí para a rua em busca do café da manhã. Encontrei uma espécie de padaria (tipo essa aqui) e pedi um panini. Existiam tantas opções de queijos, mortadelas e presunto que eu pedi para a atendente escolher para mim. O pão tinha uma casca mais dura, característica a qual não estamos muito acostumados, mas foi uma ótima refeição (5 euros). O panini aliás pode ser encontrado em diversas capitais européias e – ao lado da pizza, hot dog e kebab – é uma das mais gostosas e baratas comidas de rua.
Comi e saí em busca das ruínas. O dia estava muito claro e bonito, o clima meio frio era perfeito para caminhada.
Achei uma das entradas para o Fórum Romano e já comprei um tíquete para visitar também o Coliseu e as ruínas que ficam no Monte Palatino. Ficou em 12 euros. Mais uma vez não optei por comprar o cartão turístico local, o Roma Pass. Pensei até que – inconscientemente – estava conservando certa má vontade para com esses cartões, pois em todas as minhas viagens nunca acho vantagem neles. Sempre vejo onde quero ir e se vale à pena, mas não bate.
Enfim, comecei a vagar entre as ruínas e de cara encontrei o Arco de Sétimo Severo, uma obra terminada no ano 200 da nossa Era. Os Arcos de Triunfo foram inventados pelos romanos como maneira de celebrar a vitória de uma guerra ou batalha. Napoleão fez um desses em Paris, porém não estava inventando nada, apenas fazendo uma releitura de algo bem mais antigo.
Bem ao lado do Arco de Sétimo estão os restos do Templo de Saturno, construído cerca de 500 anos antes de Cristo. Se você pensar que o Brasil foi descoberto pelos portugueses dois mil anos depois da construção desse templo vai concordar que o tempo em Roma toma uma medida diferente.
Sabe todos os objetos antigos que as pessoas vão aos museus para ver? Em Roma tudo isso está na rua. Ao andar pelas ruínas é natural sentir certa dificuldade em entender o que elas foram. Durante os séculos de civilização muita coisa foi destruída e construída na Cidade Eterna. Algo que me ajudou muito a entender o sítio foi uma maquete da Roma Antiga durante o auge do Império. Num desses é possível ver as construções em seu suposto estado original e isso clareia as percepções enquanto o viajante perambula pelas ruínas. As pedras das construções são tão antigas que é possível ver o desgaste provocado pelas intempéries.
Subi o Monte Palatino e de lá pude ver as ruínas do alto. Notei algo muito interessante, uma referência que peguei em outra viagem. Quando estive no Peru pude ver que era costume dos cristãos aproveitarem a estrutura de um templo Inca para a criação de uma nova igreja. É o caso do Qorikancha em Cuzco, um templo que foi transformado pelos espanhóis na Igreja de Santo Domingo. Em Roma é fácil observar que esse costume cristão vem de longa data, veja a imagem:
Quando o Imperador Antonino resolveu construir um templo para homenagear sua esposa Faustina, mal sabia ele que alguns séculos depois os cristãos transformariam sua bela obra na estranha Igreja de São Lourenço. A cara de pau é tanta que nem as colunas eles tiraram. Depois eu soube que atualmente o prédio é do Nobile Collegio Chimico Farmaceutico e fica bem ao lado da Igreja de São Cosme e Damião, os santos preferidos de quem curte comer doce barato. Logo na sequência está também a Basílica de Constantino.
Perambulei pelas ruínas do Monte Palatino, entre o que resta dos Palácios Imperiais Romanos, basicamente onde as pessoas ricas (e os imperadores) moravam naquela época. É uma caminhada tranquila e arborizada, muitas oliveiras centenárias por toda parte. Pude ver ainda o aqueduto e o Circus Maximus. Foi então que ao longe notei a presença do maior marco arquitônico de Roma, Il Colosseo.
Antes margeei a estrada e desci para ver o Arco de Tito, a singela homenagem do Imperador à sua conquista da Judéia, ocasião na qual ele mandou destruir o Templo de Jerusálem.
No entanto – quando o assunto é arco – nenhum supera a monumentalidade daquele construído por Constantino I (Arco de Constantino). Como de costume ele foi concebido para comemorar a vitória em uma batalha, dessa vez de romanos contra romanos. Há nele uma inscrição muito interessante, a qual ilustra a maneira como os imperadores romanos eram retratados: “para o Imperador Constantino, o maior, piedoso e abençoado. Porque ele, inspirado pelo Divino e pela grandeza da sua mente, retomou Roma de seu tirano e de todos os seus seguidores de uma só vez, com seu exército e com a força de suas armas. Por isso o Senado e o Povo de Roma lhe dedicaram esse arco, decorado com os seus triunfos”.
E enfim estava diante do Coliseu – ou Anfiteatro Flávio. Ele é realmente alto e imponente e ainda hoje casa de gladiadores e soldados romanos, mas esses já não são mais ou mesmos. Na verdade são uns caras vestidos de centuriões que cobram dez euros por uma foto com eles. Por dentro não achei tão interessante, confesso. A estrutura hoje não dá muito ideia de como era no passado e nisso o aspecto de arena desaparece, deixando somente um emaranhado esquisito.
Tirei algumas fotos e peguei a Via del Foro Imperiali até achar o Monumento a Vittorio Emanuele II. O mais engraçado é que o monumento fica de frente para a Piazza Venezia apesar de também existir uma Piazza Vittorio Emanuele II em Roma.
Na verdade essas duas atrações estavam no caminho que tracei para chegar até a Fontana di Trevi. Caminhar pela Cidade Eterna parece simples, mas as ruazinhas apertadas enganam muito. Mesmo com uma bússola e certa experiência em navegação tive algumas dificuldades. No entanto é claro que valeu muito à pena quando me deparei com a obra barroca mais espetacular da Itália.
A Fontana está bem na frente de um palácio (Quirinal) e parece na verdade que faz parte dele. O espaço é bem pequeno e fica bem difícil se afastar suficientemente para tirar uma foto da fonte inteira. Isso – associado ao gigantesco número de turistas – dificulta um registro mais panorâmico.
Os visitantes costumam jogar moedas na fonte, mas eu esqueci de fazer isso. Não me arrependi porque depois fique sabendo que eles arrecadam cerca de 700 mil euros por ano só com essas moedinhas!
A fome bateu e vaguei para longe da Fontana tentando achar um restaurante barato. Nada. Fica o aviso aos futuros viajantes: Roma é uma cidade MUITO cara, mais que Paris e Londres de longe. Depois de andar muito encontrei um lugar no qual paguei 25 euros num macarrão parecido com o que comi perto do aeroporto. A comida é deliciosa, sem dúvidas. Porém, a porção não era grande e o preço desestimulante, principalmente quando eu fazia a conversão para reais.
Nem preciso dizer que isso me desanimou. Exceto por uma pizza muito boa que comi no dia seguinte (20 euros) e os dois macarrões, não encarei mais nenhum restaurante e fiquei mesmo no fast food. É uma pena, mas vejo que pelo menos tive chance de experimentar a culinária local em três oportunidades.
No fast food encontrei algumas barbadas, em especial próximas da Estação Termini. Lá tem diversos locais bem em conta vendendo paninis, pedaços de pizza e hot dogs. Não vi muitos kebabs.
Já passava das quatro e resolvi voltar para o hotel e descansar um pouco antes de sair novamente. Fui andando sem muita pressa – quase vagando mesmo – e encontrei sem querer o Panteão. A aparição dele de repente foi muito legal e decidi não deixar a visita para o dia seguinte.
Confesso que essa era uma das atrações de Roma sobre a qual eu menos tinha informações. Durante a visita descobri que lá dentro está enterrado o pintor Rafael e o herói italiano Vittorio Emanuele II, mas foi só depois que peguei mais detalhes. E isso é um aspecto interessante sobre as viagens: elas continuam mesmo quando você volta para casa!
O Panteão talvez seja a única construção romana ainda em estado quase perfeito. Foi concebido para abrigar o culto a diversos deuses. Tem cerca de 2040 anos e – apesar de ter sido restaurado algumas vezes – continua basicamente o mesmo. Dizem que sua construção levou a arquitetura romana ao limite, tendo em vista a amplitude da abóbada do prédio. Para se ter uma idéia a cúpula do Panteão levou 1463 anos para ser superada em tamanho pela Basílica Santa Maria del Fiore em Florença.
De volta ao hotel dormi das seis às oito, derrubei dois pedaços de pizza em uma das lanchonetes próximas à Termini (6 euros) e comecei a vagar em busca de um lugar para beber. Não costumo ir a lugares da moda ou a aqueles indicados em guias. Gosto de descobrir meu próprio boteco.
Durante a caminhada me deparei com a bela Basílica Santa Maria Maggiore. Na ponta da praça na qual o templo se situa, segui uma rua e encontrei o The Druid’s Rock Pub. Naquele horário – quase nove da noite – ainda estava bem vazio, mas o barman disse que em breve uma banda de rock ia começar a tocar. No entanto, mesmo com a chegada dos músicos a casa continuava vazia, talvez porque fosse dia de semana. De qualquer maneira a garçonete era um arraso e fiquei conversando fiado com um casal espanhol, um texano sócio da NRA, dois irlandeses e uma irlandesa – todo mundo de férias. O show acabou e eu voltei para o hotel, já eram quase duas da manhã.
Acordei quase meio-dia e comi rapidinho em um restaurante nas proximidades do hotel (20 euros). Segui até a Piazza del Popolo para uma rápida olhada nas igrejas gêmeas de Santa Maria dei Miracoli e Santa Maria in Montesanto. Ambas foram criadas pelo arquiteto Carlo Rainaldi.
Continuei então seguindo sul até encontrar a Piazza Navona. Além de um feirinha muito legal, a praça também guarda a Embaixada do Brasil na Itália e a famosa fonte dos quatro rios, a qual ilustra os cursos d’água mais importantes em quatro continentes. O danado é que na América eles colocaram o Rio da Prata e não o Amazonas. Por isso eu achei a Fonte de Netuno mais classuda e coerente.
Foi então que em um beco encontrei uma placa. Não sei bem o que estava escrito, mas acredito que seja algo mais ou menos assim: “é proibido jogar imundícies nesse local sob a pena de algum tipo de punição corporal”. Porém, legal mesmo é a data, 9 de abril de 1735. E está lá como se fosse uma placa qualquer.
Comprei ainda uns souvenirs e passei no que restou do Templo de Adriano. As ruínas estão encostadas num edifício mais moderno, mas é bem fácil distinguir a sua magnitude. Adriano aliás pode merecer o título de meu imperador romano preferido. O cara era um estudioso, viajou todo o Império porque estava interessado pelas culturas de todas as províncias.
Porém, se Roma deve alguma coisa a alguém é a César. Ele nunca foi imperador, mas começou a brincadeira toda. Por isso eu jamais poderia deixar de render minha homenagem ao eterno ditador. Depois dele César não era mais um simples nome. Virou um título que vemos por aí até hoje, ou você acha que kaiser vem da onde? César venceu os Gauleses sim, ele comeu a Cleópatra e derrotou o namorado dela Marco Antonio. Foi traído e virou personagem de Shakespeare. Citado até por Jesus. O General que disse vim, vi e venci. Por isso fui até sua estátua e tentei acender uma vela, mas não rolou.
No dia seguinte eu visitaria o Vaticano (relato aqui) e depois ia embora. Roma foi uma das cidades mais fantásticas que conheci. A capital do império parece nos mostrar como o tempo passa rápido. Quanta gente já andou por aquelas ruas? Quantos anseios? E hoje não há mais nenhum deles aqui. Isso reforça a maneira como vemos nossa própria existência. Esse momento agora é a nossa chance, a única delas. Nada melhor do que aproveitá-la conhecendo o mundo.
Abraço!
Mais sobre a coluna Viagens do S&H
Cuzco – Machu Picchu – Amsterdã – Paris – Pucon – Vaticano – Mendoza – Budapeste – Lima
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