Olá, pessoal!
Para aqueles que não me conhecem, eu sou Raphael Draccon, roteirista e romancista de livros de temática fantástica e sobrenatural.
Fui convidado pelo caríssimo Duquian para escrever a coluna “Cavernas & Dragões“, um espaço para se falar de fantasia em todas as suas vertentes, o que significa que podemos trocar desde o terror e o horror até a ficção científica e o sobrenatural.
Filmes, livros, músicas, curiosidades, estruturas de roteiros, cultura pop; qualquer coisa relativa ao tema pode ser discutida nesse espaço, desde “Crepúsculo” e “Harry Potter” a “Conan” e “Avatar”, principalmente de um ponto de vista menos convencional.
Como hoje em dia todo o mundo está escrevendo um livro, de vez em quando eu posso comentar também sobre o mercado editorial fantástico por aqui, e tirar algumas dúvidas.
No caso do nome da coluna, o termo “Caverna” se refere extamente a esse lado do dark/terror, e o “Dragões” ao lado do fantástico/sobrenatural. Além, obviamente, de fazer referência ao desenho que todos aprendemos a amar e misturava todas essas vertentes em uma mesma receita.
Devido à coluna, acabei tomando vergonha na cara e criando uma conta no Twitter. Se você quiser enviar alguma sugestão sobre temas ou coisas do tipo, será muito bem-vindo.
Pretendo ver também se consigo sortear por mês um livro relevante ao tema pelos seguidores de lá. Como a conta acabou de ser criada e só está sendo divulgada agora, acaso se interesse as chances de você poder ser sorteado são grandes…
Para estrear, aliás, esse mês vou sortear por lá um livro autografado do melhor amigo que conquistei nesse meio profissional, a estrela nacional do horror/sobrenatural André Vianco.
E é aproveitando este fato que iniciamos a primeira coluna, envolvendo uma mesma metáfora e os diferentes estilos de quatro bons autores fantásticos.
***
STEPHEN KING X ANDRÉ VIANCO X RICHARD MATHESON x NEIL GAIMAN
No Workshop que realizei ano passado, convidado pelo pessoal do Cinefantasy, comentei sobre a diferença de estilo desses três autores, aproveitando um gancho do próprio King, que citarei a seguir.
Antes, sobre os autores, caso algum deles seja desconhecido para você, brevíssima apresentação:
– André Vianco: atualmente o autor mais vendido de fantasia nacional. Vianco costuma cair para o lado de terror com aventura, principalmente envolvendo o tema de vampiros com poderes dignos de um vilão Marvel. Se fosse resumir, bem… imagine a equipe Alfa de Resident Evil caçando os vampiros de Underworld em Osasco. Isso é André Vianco.
– Richard Matheson: talvez você não saiba quem ele é pelo nome, mas já conheceu algo saído de sua mente. Matheson é o autor de duas das maiores histórias de amor fantásticas – “Amor Além da Vida” e “Em Algum Lugar do Passado”, escreveu os melhores episódios da série “Além da Imaginação” e foi o responsável por Will Smith conhecer Alice Braga através da adaptação de seu romance: “Eu Sou a Lenda…”. Ou seja, só por isso já deveria ser o autor preferido do Will Smith…
– Neil Gaiman: o escritor que congestionou a FLIP de 2008, e, por motivos de Destino (um de seus personagens…), não pude lá estar. Gaiman é considerado um rockstar da literatura contemporânea e é o único escritor do mundo que não apenas é igualzinho ao seu personagem mais conhecido, como é impossível de se dizer qual dos dois influenciou primeiro o visual do outro.
– Stephen King: hum… sério mesmo? Rapaz, se você não sabe quem é este cara, por favor, corte os pulsos. E não importa o que você sinta; seja lá o que for, ele já descreveu algo parecido em algum de seus romances.
A par disso, seguimos.
Uma vez Stephen King comparou seu estilo com uma situação inusitada: imagine um sujeito sentado em uma cadeira diante de uma porta fechada, sem a menor idéia do que há do outro lado.
A porta, no caso, é a trama do livro. A pessoa sentada é você na posição de leitor.
No estilo de King, segundo ele próprio, a porta demora para abrir. Você sabe que existe um monstro do outro lado, mas ele – de propósito – lhe mantém ali sentado, apenas escutando o que há do outro lado, e deixando sua imaginação construir as piores opções.
Você escuta o som da respiração do bicho; você se arrepia com a raspagem das unhas na madeira; você se contorce com o rosnar. De vez em quando você PULA da cadeira quando o monstro soca a porta do outro lado, doido para sair dali… e pegar você. Mas o detalhe é que você não vê direito o maldito monstro, ou ao menos não o sente próximo o suficiente de poder tocar em você. Ainda.
E conforme o clímax da história se aproxima, mais a a impaciência, inquietação e excitação aumentam. E então, quando todos esses sentimentos dentro de você estão no ápice, ele simplesmente joga todas as cartas que tem.
Ele abre a porta. E o monstro pula BERRANDO na sua cara!
Claro que, como ele próprio admite, isso é perigoso, porque pode gerar dois tipos de reação. Uma: você cair para trás e dar graças a Deus (hum…) por ser apenas um livro. E se a reação for essa, King irá sorrir de orelha a orelha.
Mas pode ser que a sua reação seja: “Ah, era isso?”. Ou até uma reação ainda pior: “Ah, o monstro era um gafanhoto de três metros? Poxa, se fosse um gafanhoto de onze metros aí sim seria assustador…”.
E aí, amigo, não há escritor que esconda a frustração.
Logo, se um de vocês quiser tentar algo do tipo, há de se ter imenso controle narrativo e saber o que está fazendo, ou ao menos parecer saber o que está fazendo, para que a reação seja a esperada. Não sei como seria com você no comando de algo do tipo.
Sei que Stephen King consegue…
(sinceramente: esse cara pode ser normal?)
Aproveitando essa mesma situação criada pelo autor, no workshop resolvi demonstrar qual seria a diferença para os estilos distintos dos outros autores fantásticos citados, completamente diferentes do estilo citado.
No estilo de Vianco, a situação já seria a seguinte:
Imagine que você como leitor se sente na mesma cadeira e haja a mesma porta, em que você apenas sabe que há um monstro do outro lado. Com King, o monstro aparece no final. Com Vianco, ele simplesmente chega ao lado da porta, olha para você e pergunta:
– Tá preparado?
Se você disser que sim, ele simplesmente abre a porta e o monstro PULA na sua cara! E aí tudo começa…
Mais uma vez é um estilo que tem seus prós e contras. No caso, a reação desejada é a de: “Uau! O monstro é esse? Eu nunca teria imaginado isso…”, e se isso acontecer, você vai ler os tijolões de Vianco em (poucos) dias.
A reação negativa é a possibilidade do leitor olhar e dizer: “Ah, o monstro é esse? Ainda bem que você me mostrou logo no início pra eu não perder tempo…”, e largar o livro de lado sem a menor chance.
Logo, não à toa Vianco é um autor passional. Tem gente que o adora; tem gente que não. E esse é seu maior trunfo. A pior coisa para um escritor é ter leitores indiferentes.
(Alguém tem noção de que ele já congelou a Avenida Paulista?)
Já o estilo de Matheson consegue, mais uma vez, ser completamente diferente dos outros dois.
Matheson lhe senta na cadeira e, logo que você se ajeita percebe algo interessante: a porta já está aberta. E o monstro já está lá!
Só que o detalhe é que ele coloca a sua cadeira muito longe da porta. Longe o suficiente para o monstro ser só um borrão que também mexe com a sua imaginação, mas de uma maneira mais direcionada que o caos que Stephen King gera dentro de você.
Conforme a trama avança, Matheson vai aproximando a sua cadeira da porta aberta. Logo, na metade do livro você já consegue visualizar bem o monstro em questão, mas o que ele é já não é mais importante do por que ele é daquele jeito.
E você passa a querer continuar até o final para se aproximar naquele bicho, e compreender melhor as razões dele existir.
(He is legend…)
E por último, o estilo de Gaiman, que sempre foge completamente do tradicional.
Ler uma obra dele seria o seguinte: imagine que, mais uma vez, exista a cadeira e a porta. Contudo, assim como Matheson (não à toa um autor que lhe influenciou, repare nos detalhes dos exemplos), a porta já está aberta; só que a diferença é que não há nada lá. Ao menos, não ainda.
Você então senta e Gaiman lhe pede que tome um chá preparado com ervas desconhecidas.
Ele se senta ao seu lado, espera fazer efeito e é extremamente educado com você o tempo inteiro. As tais ervas utilizadas no chá não serão originais; aliás, se você pedir ele irá lhe contar todas as vezes e todas as diferente receitas com que ela foi utilizada ao longo da história da humanidade, e aos poucos você perceberá que, ainda assim, ele parece ter dado um toque próprio no tempero, melhorando, ou ao menos atualizando, a receita original.
E então o chá começa a fazer efeito.
Aí, meu amigo, a coisa começa pra valer.
Porque de repente a cadeira não vai mais parecer estar no chão; de repente o chão, que era de concreto, se torna vidro; de repente as suas mãos irão parecer distorcidas ou pequenas demais; de repente o seu pensamento começará a se tornar as imagens de um filme saídas de um projetor do meio da testa; de repente tudo poderá acontecer e, mais do que isso, poderá acontecer de duas pessoas visualizarem as mesmas partes de uma mesma experiência de maneiras e visões completamente diferentes.
E então o monstro que deveria estar naquela porta até pode ser que apareça. Mas é aquilo; se você tomou o chá que Gaiman lhe ofereceu, esse monstro nunca será bem definido.
Pode ser que você o odeie, é verdade; mas pode ser que você se identifique com ele; pode ser que você o compreenda; que dê razão ou sinta pena; que não compreenda nem mesmo porque é aquele o monstro, e não os outros personagens da história.
A complexidade por detrás das motivações (na maioria das vezes trágica, que são mesmo as melhores) daquele monstro podem fazer, inclusive, você se compreender melhor como ser humano. E terminar a história se perguntando se existia mesmo um monstro ali, ou se tudo fora fruto da sua visão alterada na ocasião.
E quando o efeito do chá passar, Gaiman ainda vai estar ali com seu jeito extremamente educado, perguntando se você está bem e pedindo, por favor, para que, quando melhorar, você lhe envie uma mensagem por e-mail, blog ou twitter.
(Se você não soubesse quem ele é e dissessem que esse cara iria substituir Noel Gallagher no Oasis, não seria possível acreditar?)
Uma mesma metáfora; quatro autores; quatro estilos próprios.
Em outras colunas será possível falar ainda mais especificamente de cada estilo, dando exemplos práticos baseados em obras de cada um.
Qual dos estilos seria o melhor? Na realidade a resposta disso não importa.
A única pergunta cabível em uma situação desse tipo seria:
Qual desses estilos funciona melhor para você?