Crítica Perdido em Marte ≈ Cine Verité por Rafaela Gomes

Se existe alguém confortável com a plenitude espacial, o “estar à deriva” e todo o conceito futurista, é Ridley Scott. O cineasta já percorreu por outros horizontes, recentemente se entregou ao épico bíblico com “Êxodo”, mas seu ambiente familiar sempre foi e será o sci-fi. É natural, tal como ligar Steven Spielberg à blockbusters e produções históricas. Existe uma ligação plena e admirável, como se ambos pertencessem a esses espaços. E eles nunca nos deixam na mão.

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Ridley Scott pode ter falhado em alguns aspectos com “Prometheus” e isso pode até ter gerado uma certa desconfiança no público mais cético quanto a abordagem que a adaptação “Perdido em Marte” poderia trazer, mas convenhamos, o cineasta está em casa. E como alguém que se sente a vontade, ele nos imergiu na quase desconfortável solidão de um astronauta que não se rendeu ao abandono em uma terra de ninguém. Literalmente.

Marte está em fase de exploração, apresenta recursos naturais limitados e a subsistência da vida humana é quase impossível. Condições tão desesperadoras compõem o cenário perfeito para o drama de um homem só, deixado no planeta e dito como morto. Sem proporções e previsões otimistas, “Perdido em Marte” poderia ser aquele tipo de filme sobre aquele tipo de personagem, naquele contexto onde não há vida, nem perspectiva dela. A produção poderia seguir por esse viés, elevando a dramaticidade às alturas, o que é totalmente compreensível. Mas fugindo da intensidade extrema e da vertigem angustiante que sci-fis espaciais sempre promovem na audiência, Ridley Scott nos entrega um doce drama, regado de humor e otimismo, em uma terra onde a única vida que pode ser gerada cabe a um único e isolado astronauta. E ao seu senso de humor.

Quando estamos diante de um filme em que a história é centrada em apenas um personagem, é fundamental que ele seja bem construído, independente do ângulo ser dramático (como lindamente executado com Sandra Bullock em “Gravidade”), ou cômico. Por se tratar de um “monólogo”, a abordagem é crucial e define que tipo de relacionamento o público vai desenvolver com a figura que nos é apresentada. Considerando a premissa original do livro que deu origem à produção, de Andy Weir, Scott transforma a narrativa feita em primeira pessoa em um diálogo de um homem só, com a ajuda das adoradas GoPros. E de repente, a solidão quase desconfortável citada logo no começo sede espaço para um engraçado astronauta, experiente em botânica e disposto a sobreviver com seus recursos limitados até um futuro resgate.

Adaptar um livro todo feito em primeira pessoa é desafiante, uma vez que a dinâmica escrita nem sempre funciona tão bem nas telas de cinema. A roteirização de Drew Goddard casou com o estilo peculiar de filmagem do cineasta, que costuma usar cerca de quatro câmeras simultaneamente para pegar diversos ângulos de cena e interpretação. No final das contas, entre momentos pontuais na sede da NASA e do resto da tripulação em outra missão, estamos diante apenas de Matt Damon, com seu protagonista Mark Watney, que deve nos convencer com seu carisma, senso de humor e habilidades físicas e químicas. E ele consegue como ninguém.

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O relacionamento de Matt com a câmera é espetacular. Suas cenas são longas, com diálogos extensos regados por sua única perspectiva, na esperança de que essas filmagens alcancem alguém além dele mesmo. Não sei se neste caso é possível dizer que o personagem quebra a quarta parede, dialogando com a audiência. Afinal, as filmagens possuem o objetivo claro de chegar até a NASA. Mas a dinâmica acontece dessa forma e ao decorrer do filme nos identificamos com seu anseio por sobrevivência, ânimo e empenho em construir uma vida temporária. A empatia não surge pela ligação familiar de Mark Watney, elo normalmente usado em produções como essa. Nossa conexão com o personagem se dá única e exclusivamente por sua construção e por nos identificarmos com ele. Embora seja um astronauta com grau de inteligência elevadíssimo, em cena, Mark Watney é apena um homem criativo em busca da sobrevivência.

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O desenvolvimento tão natural do personagem de Matt Damon é fruto também da dinâmica de backstage entre os atores e Ridley Scott. Com um elenco totalmente experiente e suficiente para chamar a atenção na grade de programação dos cinemas, o cineasta trouxe para telas vestígios do relacionamento entre todos quando as câmeras estão desligadas. Segundo Scott, “esse é um daqueles filmes em que laços são formados”. Mais um aspecto perceptível na produção.

O que também torna “Perdido em Marte” um filme fascinante e que se destaca de outras produções do gênero é a precisão nas informações trazidas em telas e a simplicidade nisso. Não é necessário conhecimento prévio ou técnico do espectador, mas tanto o escritor do livro como o roteirista foram amparados pela NASA. Enquanto Andy Weir fez cálculos diversos tornando seu primeiro livro em uma ficção baseada em dados reais (além de ser um dos favoritos do órgão federal), o roteiro faz uso de números pré-existentes da instituição. Eles estão ali para garantir que não haja suspensão de realidade nos momentos mais preciosos do filme, à medida que não se prolonga em vastas explicações científicas, que deixam a audiência confusa. O que você precisa entender é: Mark Watney deve ser trazido de volta para Terra de forma prática e viável.

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Com um viés puxado para o entretenimento, uma trilha sonora toda embasada na Disco Music dos anos 70 e um leve toque de drama (para garantir o frenesi no clímax do filme), Ridley Scott volta a sua boa forma, se é que um dia a deixou. Trazendo no elenco gente como Jeff Daniels, Jessica Chastain, Chiwetel Ejiofor, Kate Mara e Kristen Wiig, “Perdido em Marte” não desaponta nem o público e nem a NASA, conseguindo o grande e raro trunfo de agradar gregos e troianos no melhor estilo sci-fi.

Sacerdote da Santa Igreja do Culto ao Nintendinho, Ryu se declara um rapaz casto e introvertido, no fundo desculpas para seus constantes fracassos com as mulheres. Adora surfar, mas não sabe nadar e sonha em conhecer uma praia. Ex-modelo, ex-feirante, ex-atriz, ex-torcedor do Mixto, Evel na verdade é um extraordinário colecionador da série telecurso 2º grau, sabe de cor e salteado todas as lições de química e marcenaria contemporânea. Amante da boa cozinha, não dispensa um churrasco de gato no boteco da Zuleide. Adora aventura e sempre que pode arrisca-se no truco indoor, desde que o ambiente seja refrigerado. "Onde há flor não há envido!"