A morte do Sonho Americano | Comics Addicted #1

modelo_new_azul.jpg civwartub1.jpgA imagem que estampa a capa de Captain America 25, lançada no início de março, nos Estados Unidos, não poderia ser mais emblemática. A luva ensangüentada, e ainda presa por uma algema, descansa, sem vida, sobre um jornal que estampa a notícia: “A Morte do Sonho”.

Com uma estratégia de divulgação brilhante, a revista chegou até as comic shops americanas com sucesso garantido. No mesmo dia de seu lançamento, o site de um dos jornais de maior circulação no país, o New York Daily News, trazia a notícia da morte deste que é um dos maiores ícones da cultura pop norte-americana: o Capitão América. Não tardou para que todas as agências de notícia através do globo reproduzissem a manchete, criando um dos maiores estardalhaços já vistos, em torno de uma história em quadrinho.


Criado nos anos 40 como parte do esforço de guerra norte americano, o Capitão América serviu de inspiração para que as tropas ianques derrotassem a Alemanha nazista e seus aliados, mas também representava para todos os cidadãos em solo americano os ideais de seu império em ascensão. Na história original, o franzino Steve Rogers é voluntário para uma experiência do governo americano, que injeta no soldado um soro que aumenta suas, até então modestas, capacidades atléticas. Vestido com as cores da bandeira estadunidense e carregando apenas um escudo, o herói demonstrava a braveza do povo, bem como seu desejo de lutar apenas para manter seus pares a salvo do mal. Bem…patriotadas à parte, o personagem possui uma alta carga nostálgica, e desempenha função de liderança no universo da editora Marvel. Por isso e por outras, se manteve vivo no imaginário popular por mais de 60 anos. Pelo menos até agora.

A derradeira história do “bandeiroso” é resultado da saga Civil War, que abalou as estruturas do Universo Marvel. Após uma tragédia envolvendo um grupo de super-heróis em uma escola americana, os personagens da editora se dividem em dois grupos antagonistas. Um desses lados, liderado pelo Homem de Ferro, exige a exposição pública das identidades dos heróis e um registro, para que as ações destes, sejam monitoradas. O outro, defendido pelo Capitão América, demanda a manutenção das identidades secretas, que, de certa forma, resguardam as famílias dos heróis. Outro desdobramento importante desta saga, foi a exposição pública da identidade de Peter Parker, o Homem Aranha. Segundo roteiristas e editores, as conseqüências destes eventos, serão sentidas ainda por muitos anos, nas revistas próprias dos personagens envolvidos.

Mas e é pra valer?

Veja bem…morrer nos quadrinhos pode ser bem mais seguro do que pular de bungee jump no mundo real. São inúmeros os casos de personagens que já morreram e, milagrosamente, voltam, alguns meses depois, a vestir seus colantes.

Este tipo de roteiro costuma aparecer quando as vendas vão muito mal, assim é possível chamar a atenção não só dos leitores habituais, mas também da mídia em geral, gerando uma expectativa enorme e elevando a tiragem dos gibis. Curiosamente este não é o caso do Capitão, que vinha passando por uma de suas melhores fases pelas mãos do roteirista Ed Brubaker, que há pouco tempo resgatou dos mortos (viram do que eu falo?) seu antigo parceiro mirim: Bucky. Morto em combate há anos, Bucky era, para o Capitão América, o que Robin é para o Batman, mas sem as meias de nylon e o sapatinho de duende, claro.

Basicamente existem dois tipos de morte no universo dos quadrinhos, quando se trata de personagens relevantes: a morte de quem usa a fantasia de super-herói, e a morte, e posterior ressurreição do herói. Calma lá…vou explicar.

A morte de quem está por trás do uniforme

Como sabemos, personagens de quadrinhos também funcionam como marcas, que podem render milhões de dólares, e encher os cofres das editoras, quando seus direitos de imagem são cedidos para estampar, desde lancheiras escolares até adaptações para o cinema. É lógico, então, que matar um desses personagens e deixá-lo no esquecimento não é lá uma decisão muito inteligente, do ponto de vista empresarial.

Tudo bem. Nos quadrinhos parece que é muito difícil alguém permanecer no descanso eterno dentro do caixão. Mas existem casos em que, quem morre, permanece assim. Pelo menos por um tempo razoável…

Seguem alguns exemplos:

• Flash – Várias pessoas já assumiram a identidade de Flash ao longo dos anos. Joel Ciclone é o primeiro da linhagem, vindo da década de ouro, nos anos 40, sendo substituído em seguida por Barry Allen, que morreu no evento que reformulou o universo da editora DC: Crise nas Infinitas Terras. Após a morte de Barry, seu pupilo, Wally West assumiu a identidade do personagem e continua atuando até hoje.

• Lanterna Verde – Membro da Tropa dos Lanternas Verdes, uma espécie de polícia intergaláctica, Hal Jordan enlouquece após ver sua cidade natal, Coast City, ser destruída. Depois da morte de Hal, que se tornou o vilão Parallax, Kyle Rainer, assume o anel e a identidade do Lanterna Verde oficial da Terra. Hoje em dia, depois de passar um tempo se redimindo de seus pecados, Jordan já voltou à vida normal, mas isso só ocorreu devido a anos de protestos dos fãs do personagem.

civwartub2.jpg• Capitão Marvel – Esse foi o primeiro herói a morrer “de verdade” nas HQ´s. O alienígena Mar-Vell faleceu vítima de câncer, e não deu as caras por mais de 20 anos. Após esse hiato, o Capitão Marvel voltou sob a identidade de Marlo, vindo do mesmo planeta de seu antecessor. Durante a saga Civil War, Mar-Vell retorna à cronologia do universo marvel após cair em uma fenda temporal. A princípio, a história de sua morte não foi descartada, o personagem sabe exatamente como e quando morreu.

• Robin – O primeiro Robin, Dick Grayson, cresceu, se tornou o herói Asa Noturna e bateu asas da mansão Wayne (com o perdão do trocadilho infame). O segundo Robin foi Jason Todd, um garoto que Batman encontrou roubando as rodas do Batmóvel, que aliás, devem valer mesmo uma grana. Jason foi assassinado pelo Coringa, em uma das primeiras tentativas de interatividade com os leitores, estes votaram por telefone e decidiram pela morte do sidekick. Depois de anos se recusando a assumir um parceiro novamente, Batman foi salvo do espantalho por Tim Drake, que já havia descoberto sua identidade secreta. Assim o morcegão se viu obrigado a aceitar o novo pupilo.

A morte dos super-heróis (e seu rápido retorno) civwartub3.jpgSão inúmeros os personagens que já deram uma “morridinha básica” para alavancar as vendas, mas o caso mais clássico, ocorreu com o pai do gênero: Super-Homem. Na década de 90 o herói bateu as botas em uma luta com o vilão Apocalypse, criado especialmente para selar o destino do kriptoniano. Obviamente, a morte não passou de um engodo para vender mais gibis. A explicação foi a mais estapafúrdia possível. Segundo os roteiristas, a luta foi tão desgastante, que exauriu totalmente a carga de energia solar que dá poderes ao herói. Ok…a pilha do Super-Homem acabou, e teremos que conviver com isso.

Aí vai uma breve lista, dos personagens mais importantes, que já morreram e voltaram pra contar a história.

• Super-Homem – Morreu em uma luta que atravessou os Estados Unidos de costa a costa e acabou, claro, no centro de Metrópolis. Na verdade ele só tinha entrado em uma espécie de coma alienígena, e, meses depois, voltou com um cabelinho estilo mullet de deixar Lois Lane com vergonha.

• Homem Aranha – A vida desse cara é uma tragédia só. Órfão desde muito pequeno, Peter Parker foi criado por seus tios. Logo após Peter receber os poderes de aranha, seu tio, Ben Parker, foi assassinado. Algum tempo depois o herói perde sua namorada, Gwen Stacy, pelas mãos do vilão Duende Verde, que também já morreu, voltou e morreu de novo. Mas quando se trata do próprio Homem Aranha, sua morte foi bem sem graça. Morreu, muito brevemente, pelas mãos de seu inimigo Kraven – O Caçador. A verdade é que foi drogado com uma substância que fazia com que parecesse morto. Não preciso nem dizer que voltou rapidinho e ainda quebrou a cara do responsável. Embora vilões já tenham enganado Peter, fazendo-o acreditar que seus pais e Gwen estavam vivos, essas mortes permanecem valendo. Que descansem em paz.

• Elektra – A namorada do Demolidor foi assassinada pelo Mercenário, e voltou a viver em uma mini-série de Frank Miller. Tenho sérias desconfianças de que a explicação pseudomística, apresentada por Miller na época, não foi entendida nem por ele próprio.

• X-Men – Esses devem passar mais tempo no cemitério do que na Sala de Perigo. Ao longo de 40 anos de histórias muitos personagens já passaram desta para melhor e depois voltaram a freqüentar a mansão do Professor Xavier. A mais célebre morte-e-ressurreição no universo mutante, com certeza, foi a de Jean Grey, a Fênix, mas Ciclope, Tempestade, Colossus, Magneto e muitos outros enfrentaram o outro lado e já estão de volta.

• Batman – Ok, esse não chegou a morrer, mas a história é tão caça-níquel que vale a pena ser citada. Logo após a morte e o retorno do Super-Homem, os editores resolveram que era hora do outro personagem principal da casa receber um “susto”. Pois bem, após o vilão Bane (também criado especialmente para ser o algoz do homem-morcego) libertar todos os presos do Asilo Arkham e forçar o herói a um esforço sobre-humano para manter a ordem em Gotham City, o mesmo castiga Batman com uma surra homérica e quebra-lhe a espinha. Mas como nos quadrinhos não há mal sem remédio, Bruce Wayne se recupera, e, após alguns meses, volta a vestir as orelhas pontudas.

E o futuro?

Como dá pra ver é muito difícil levar a sério uma morte no mundo dos quadrinhos. Volta e meia a equipe criativa dos gibis muda e resolvem trazer de volta algum personagem morto anos atrás, ou descartar algum personagem que não julgam relevante. Na verdade, um só precisa se preocupar com a morte caso seja um mero coadjuvante na trama. Por isso, é provável que, muito em breve, Steve Rogers volte a ser o Capitão América, mesmo que temporariamente seja substituído por outro, ou que fique algum tempo sem dar as caras.

civwartub4.jpgTudo indica que a revista mensal do herói não foi cancelada, portanto, em breve deveremos saber ao certo quais as conseqüências da morte. Em uma das edições de Civil War, Capitão América e o Justiceiro têm uma briga feia, e ao final o último fica com a máscara azul do Capitão. Essa semana a Marvel divulgou uma imagem no mínimo intrigante, onde, aparentemente, o Justiceiro assume o papel de Capitão América, mas tudo pode não passar de uma pista falsa a respeito do destino do herói.

Ainda sobre a repercussão do anúncio da morte do personagem, seu criador, Joe Simon, diz que não poderia haver momento pior para que isso ocorresse, pois a América precisa do personagem. Mas ao que parece, é o repúdio de grande parte da classe artística à invasão americana e à política externa do governo George W. Bush, que finalmente são expostos nas páginas dos gibis. Os autores talvez tenham percebido que, do outro lado do mundo, também existem milhares de “heróis uniformizados americanos”, carregando a bandeira dos Estados Unidos em suas roupas, matando e morrendo por “liberdade, justiça e o American Way of Life”. Tente dormir com esse barulho Capitão América…

Semana que vem, vamos falar da expectativa a respeito do lançamento de 300, e um pouco do que há de bom e ruim quando se fala em adaptações de quadrinhos para o cinema.

Um abraço!

Por Marton Santos

Desde garoto sofre com as brincadeiras de seus professores que na hora da chamada insistem na piadinha “é o Júnior da Sandy?”. Otimista de plantão, acredita em duendes e no Brasil sem corrupção. Não ouviu o último do Caetano, mas achou uma merda. Leu todos os clássicos da literatura universal sempre com uma revista de sacanagem aberta no meio. Inventou a vassoura com MP3 player e câmera digital e pretende ficar rico com isso. Pretende fazer um mochilão a pão e água de Mossoró a Sinop no próximo ano. Nunca viu um disco voador e morre de medo de barata, “mas só daquelas grandes que voam”.