Se existe alguma coisa que rivaliza em importância com os poderes de um super-herói, certamente são suas roupas. Por mais maravilhosos que sejam os dons de qualquer personagem, não dá simplesmente para sair por aí usando jeans e camiseta ao prender bandidos. E no dia da estréia de Homem-Aranha 3, todos estão reparando justamente neste aspecto da história de Peter Parker: sua famigerada “roupa negra”.
Criado em 1962 por Stan Lee e Steve Ditko, com auxílio do lendário Jack Kirby nos primeiros esboços, o escalador de paredes estreou já com seu uniforme clássico, um misto de azul com vermelho, coberto de teias negras (o tecido foi provavelmente comprado em uma ponta de estoque pós-halloween). Vale lembrar que ao contrário da história mostrada nos cinemas, nos quadrinhos a teia do personagem não é produzida por seu corpo mas sim resultado de uma fórmula desenvolvida por Peter. Com este visual, o Homem-Aranha continuou combatendo o crime por quase 30 anos, até que, no final dos anos 80, participou de um grande evento no universo da editora Marvel chamado Guerras Secretas.
Nesta saga uma entidade alienígena chamada Beyonder cria um planeta e transporta todos os grande heróis e vilões da Terra para lá, promovendo uma guerra ao prometer que o lado vencedor terá todos seus desejos realizados. Durante a história o “cabeça-de-teia” encontra uma estranha substância negra e viscosa que subitamente se une a seu corpo, criando uma roupa que, além de aumentar seus poderes, nunca rasgava e produzia sua própria teia. Por algum tempo a vestimenta mostrou-se de muita valia para Peter, mas ao longo dos meses seu comportamento passou a ser agressivo e impensado. Posteriormente o herói descobriu que a roupa era um simbionte, um ser vivo que desejava fundir-se permanentemente a ele. Neste momento o “teioso” aproveitou-se da única fraqueza da roupa alienígena, o som alto, e em uma batalha interna, utiliza-se das badaladas de um sino de igreja para conseguir libertar-se de seu indesejado parceiro.
No mesmo momento a roupa adquire um novo hospedeiro, um jornalista e inimigo público do Homem-Aranha, Eddie Brock. Desta forma nasce um dos mais importantes antagonistas do escalador de paredes: Venom. Peter ainda criou uma versão em tecido de seu uniforme negro, mas deixou de usá-lo após ser confundido com seu rival algumas vezes.
Existem algumas outras versões de uniforme para o Homem-Aranha como a utilizada durante a Saga do Clone e na realidade alternativa 2099, mas só recentemente o aranha ganhou uma nova roupa oficial. Durante a saga Civil War, o Homem-Aranha passou a trabalhar para Tony Stark, o Homem-de-Ferro e recebeu de seu novo chefe uma versão high-tech de seu uniforme. Chamado de “Uniforme Stark”, esta vestimenta cheia de apetrechos tecnológicos possibilitou ao herói planar, como algumas aranhas fazem, além de agregar quatro braços mecânicos muito semelhantes aos de seu inimigo Doutor Octopus.
Mas um vasto guarda-roupa não é privilégio do “amigão da vizinhança”. Muitos são os heróis e vilões que já tiveram seus uniformes alterados, quase sempre com a promessa de que “esta mudança será definitiva”. Entram nessa lista quase todos os personagens clássicos do universo de super-heróis. Super-Homem, Batman, Flash, Capitão América e até os X-Men, que nos quadrinhos trocam de uniforme pelo menos uma vez por ano. Mas no mundo das hq´s temos sempre que contar com um fator determinante para o sucesso de uma empreitada como esta: a ira dos fãs radicais.
Um exemplo da ação raivosa dos leitores ocorreu quando a DC Comics alterou não só o uniforme mas os poderes de seu maior personagem, o Super-Homem. Nos anos 90, tentando reaver seus poderes que haviam se esgotado, o personagem adquire habilidades elétricas e uma mudança radical no visual. O resultado, ao contrário do esperado, foi um fracasso de vendas sem igual, ocasionado por boicotes massivos dos fãs do clássico herói.
Algumas vezes, contudo, a adoção de um novo uniforme pode ter uma boa explicação e trazer novo fôlego ao personagem. Casos positivos de alterações no guarda-roupa podem ser vistos com Robin quando deixou de lado os sapatinhos de duende e a meia-calça e o Demolidor quando aposentou o uniforme amarelo (mas pra esse temos que dar um desconto, afinal ele é cego).
Positivas ou negativas, algumas mudanças acabam sendo impostas para se aproveitar um momento de grande exposição na mídia, como é o caso do lançamento de Homem-Aranha 3 nos cinemas. Recentemente a Marvel anunciou que após o término de Civil War o aracnídeo mais querido dos quadrinhos voltaria a vestir seu uniforme negro, mas desta vez feito de pano ao invés de piche espacial. O motivo supostamente seria um sinal de luto de Peter Parker por alguma perda pessoal durante a guerra (ao que tudo indica a Tia May desta vez vai), mas fica evidente que a sincronia que se verá entre comic shops e cinemas é uma aposta da editora visando aproveitar a overdose de exposição de seu personagem mais popular. Até aqui é fácil entender a motivação dos editores, que desejam cativar os novos leitores gerados pelo filme e provocar uma sensação de continuidade para que estes se tornem fiéis à publicação. Em todo o mundo, a média de idade do público consumidor de quadrinhos aumenta a cada ano e é vital para a continuidade da indústria que estes números sejam revertidos, afinal somente a renovação de leitores manterá os personagens vivos por muito tempo. A verdade é que o visual dos super-heróis já faz parte de nosso imaginário popular, por isso para que qualquer alteração neste sentido seja bem aceita, ela deve participar de um contexto maior e enriquecer a trama ao invés de ser o ponto de partida dela. Os anos 90 serviram como uma explosão do mercado de colecionadores, não só de quadrinhos, mas de todos os produtos derivados da indústria como estatuetas, action figures, memorabília, artes originais, entre outros. E serviram também para viciar a indústria dos colecionadores em novas versões de seus heróis favoritos. Que sejam bem vindas as mudanças, desde que estas sirvam para trazer novos leitores e não só como uma desculpa para se vender mais cadernos, lancheiras, bonecos e álbuns de figurinhas.
Na próxima coluna vamos comentar o sucesso dos super-heróis na TV com a série Heroes e as obras dos quadrinhos que “serviram de inspiração” para ela.
Um abraço!
Marton Santos