A maioria das religiões cristãs não aceita muito bem a ingestão de bebidas alcoólicas. Apesar disso, o consumo de álcool sempre esteve ligado ao Cristianismo, em especial o do álcool contido no vinho. O primeiro milagre realizado por Jesus? Transformar água em vinho. O que se bebe durante o ritual da Eucaristia? Vinho. A Bíblia nunca citou a cerveja. Mesmo assim, a Igreja Católica tem sim suas ligações com as brejas, incluindo com uma das mais famosas delas, a excelente Stella Artois.
Como isso aconteceu? Voltemos ao longínquo século XIV, na cidade de Leuven, atual Bélgica. Por aquelas bandas desde 1366 já existia uma pequena cervejaria chamada Den Horen, pioneira na fabricação de cerveja em Leuven. Não era nada demais, apenas uma pequena fábrica que abastecia os botecos locais. No entanto, tudo começou a mudar alguns anos depois quando o Duque de Brabant resolveu mandar uma carta para o Papa Martinho V. O Duque, conhecido também como João IV, era um grande estudioso e por isso via na educação uma ótima maneira de desenvolver seu país.
Por ser Leuven uma cidade próspera, João IV decidiu pedir ao Papa Martinho V que construísse uma universidade ali. Sendo assim, em 1425 surgiu a Universidade Católica de Leuven, a mais antiga instituição de ensino desse tipo do mundo. A cidadezinha belga logo se tornou o centro intelectual da região. Muitos estudantes vinham de toda Europa para aprender ali. E quem já foi estudante sabe, a maioria deles gosta de tomar uma cervejinha, não é verdade?
Com a clientela em franca expansão, a Den Horen vendia litros e litros do maravilhoso líquido embriagante. Porém, ainda faltava algo. As cervejas da época não eram lá essas coisas. O objetivo era só mesmo intoxicar ao máximo o consumidor, a idéia era ficar bêbado e só, pouca atenção ao sabor. A mudança começou com um homem chamado Sebastian Artois. Tendo estudado na Universidade Católica de Leuven e mais tarde se tornado mestre cervejeiro, em 1708 ele entra na Den Horen. Suas primeiras ações foram no intuito de melhorar o gosto da bebida, tornando-a mais clara, leve e saborosa. As mexidas de Artois na fórmula deram tão certo que cerca de uma década depois ele já era o dono da Den Horen.
Em 1717 a fábrica tem o nome mudado para Cervejaria Artois. Até aí, nada de Stellas ainda. Porém, a filosofia de melhorar o produto continuou nas gerações posteriores a Sebastian. A exclusividade no sabor tinha se tornado uma obsessão para a empresa. O ponto culminante desse processo ocorreu em 1926, quando a companhia decidiu fazer uma cerveja especial para comemorar o Natal daquele ano.
Seria uma edição única, algo inédito. Até então a fábrica produzia uma ótima cerveja, mas em grandes quantidades. Essa seria diferente: uma bebida ímpar, fabricada sem exagero, voltada para uma data específica. A cerveja foi batizada de Stella (estrela em latim), referência à estrela que guiou os três reis magos no dia do nascimento de Jesus. Alguma dúvida de que foi o maior sucesso?
É claro que o passo seguinte foi fabricar a esplêndida Stella não só no Natal, mas o ano todo. Rapidamente a cerveja ganhou fama e tornou-se o carro chefe da cervejaria Artois. Inteligentemente, eles continuaram a bater na tecla da exclusividade, algo que para ter sucesso está sempre associado a boa propaganda. Por isso as publicidades da Stella sempre exageram sobre o fato de seu produto ser especial. Mas exageram mesmo! Um exemplo é essa propaganda:
Você trocaria tudo por uma Stella! Essa é a proposta, a qual fica mais clara ainda no mais famoso slogan da marca: Reassuringly Expensive. A tradução não é simples, seria algo como “reconfortantemente cara”. É como dizer “olha, eu não me importo que é cara, o importante é que ela existe!”. Nesse outro comercial o cara entra em contato com pessoas infectadas com a peste. Ninguém chega perto dele com medo de ficar doente também. Isso até ele beber uma Stella…
Stella Artois. Para bebê-la, você até corre o risco de pegar a peste!
Curiosidades de Sobremesa
1 – Uma empresa como a Artois tem uma história de 644 anos. É muito tempo, a direção mudou de mãos, mas ainda assim é uma trajetória respeitável. No entanto, vejamos a companhia japonesa Kabushiki Gaisha Kongō Gumi. Criada em 578 ela começou construindo um templo budista para o Príncipe Shotoku e por incríveis 1428 anos ficou sob a direção da mesma família (cerca de 40 gerações). O sonho acabou em 2006 quando a Kongō Gumi foi vendida para a Takamatsu Corporation.
2 – Marlon Brando chega choroso na base de uma sacada. Ele está meio bêbado ainda, apesar de ter sido molhado com água fria. No auge da embriaguez acabou batendo na própria esposa, Stella Kowalski. Agora está arrependido, chorando. Ele olha para cima e grita: hey, Stella! Quem gosta de cinema deve conhecer essa famosa cena do filme Um Bonde Chamado Desejo. Já os apreciadores das boas cervejas conhecem mesmo a outra Stella, essa com o sobrenome Artois.
3 – Há uma referência à cervejaria Der Horen no logo da Stella Artois. Note que na parte de cima há um instrumento feito de chifre (tipo um berrante).
4 – O Povo de Leuven até hoje curte uma boa cerveja. A cidade abriga o maior e o menor bar da Bélgica.
5 – Se você se sentiu mal por não poder tomar uma Stella Artois lá na Bélgica, se contente em saber que a marca pertence à InBev. Mas, o que isso tem a ver? O caso é que a InBev foi formada pela Interbrew (belga) e pela Ambev (brasileira). Isso quer dizer que bem no fundo, forçando muito mesmo, a Stella é um pouco tupiniquim também.