Existem os famosos. Existem também as pessoas célebres. No entanto, acima de todos eles estão os indivíduos unânimes. Um desses raros nasceu no Rio de Janeiro e foi batizado de Senor Abravanel. A mãe não curtia o nome, escolhido pelo pai, por isso chamava o filho de Sílvio. A família não era pobre, o dinheiro dava para as despesas básicas. Porém, o patriarca gostava de apostar nas roletas e por isso sempre estava na pindaíba. Não por falta de receita, mas por problemas de controlar os gastos.
Sílvio rapidamente notou que era preciso se virar para ter seu próprio dinheiro. Ele não encontraria dificuldades para fazer isso, uma vez que a mãe natureza lhe dera um talento nato para o convencimento e as finanças. Com apenas 14 anos foi para o centro do Rio vender algo, sem saber o que. Em determinado momento notou que um homem vendia capas para títulos de eleitor, um produto que à época muito rentável, uma vez que o governo estava renovando todos esses documentos. Sílvio seguiu o ambulante e descobriu onde ele comprava a mercadoria. Diz a lenda que naquele dia o garoto só tinha capital para comprar uma capa. Depois de vendê-la, comprou mais duas. Das duas adquiriu mais quatro e assim por diante, formando a fortuna que tem hoje com base naquela primeira venda.
Não se sabe se foi bem assim mesmo. De qualquer forma, o diferencial de Sílvio era sua maneira de comercializar. Usando um pequeno balcão repleto de bugigangas, ele vagava pelo Rio oferecendo suas mercadorias e ao mesmo tempo usando todo tipo de artifício para atrair o freguês. Até mágica ele fazia, além de oferecer brindes e usar sua voz inconfundível para chamar a atenção. Com o povo aglomerado em volta de sua barraca, um comparsa vigiava a chegada do rapa (camelôs eram proibidos) enquanto outro fingia interesse nos produtos, pedindo para levar quantos ele tivesse.
É fato que Silvio era um rapaz esforçado, mas é fato também que todo homem para tornar-se grande precisa de sorte, mesmo que ela apareça num dia de azar. Certa feita o rapa pegou o jovem empresário e lhe tomou as mercadorias. Um dos agentes devia levar Sílvio para a delegacia, mas não o fez. Ao observá-lo trabalhando, notou que ele tinha talento e o deixou na porta de uma rádio para conseguir um emprego decente.
Sílvio foi muito elogiado por todos e conseguiu o emprego na emissora, no entanto ser camelô dava mais dinheiro. Ele então voltou para as ruas e ficou por lá até os dezoito anos, quando ingressou no exército. Ser milico naquela época não era fácil. Qualquer crime que um soldado cometesse era passível de ser punido muito mais severamente que um delito cometido por um civil.
Com medo de ficar na cadeia, o recruta larga a vida de camelô e, enquanto serve às Forças Armadas, volta a trabalhar com comunicação, algo legalizado. Surge a idéia de montar um sistema de som na barca que transportava passageiros entre o Rio e Niterói. Ele passava músicas, fazia brincadeiras, sorteava brindes, vendia bebida e um pouco de tudo. O negócio ia muito bem, porém a falta de sorte apareceu: a barca quebrou. Mas como no caso de Sílvio o azar sempre se transforma em fortuna, o período de ócio lhe deu a oportunidade de viajar para São Paulo e virar toda sua história de ponta a cabeça.
A idéia inicial de visitar a capital paulista era procurar uma oportunidade de negócio. No entanto, nada apareceu e Silvio achou uma rádio para trabalhar. Lá conheceu alguém que seria seu amigo de uma vida toda, o comediante Manoel da Nóbrega. Ele tinha um programa no rádio e por aqueles tempos estava enrolado. Num acordo equivocado, Nóbrega tinha fechado uma parceria com um empresário alemão. O objetivo do acordo era simples: Manoel fazia propaganda do comércio do alemão e em contrapartida ganhava parte dos lucros. Mas qual era a idéia do gringo? Chamava-se Baú da Felicidade, um esquema simples no qual o cliente dava uma pequena quantia por mês e no final de determinado período recebia uma cesta cheia de mercadorias. Nesse meio tempo a pessoa concorria a prêmios, um negócio realmente bem feito não fosse a falta de competência do alemão em administrar o dinheiro.
Por isso quando Sílvio conhece Nóbrega, esse último está com a corda no pescoço, com um bando de gente atrás dele para receber a grana que o alemão tinha tirado do baú. A essa altura Silvio já era Santos, nome de locutor que ele recebeu do pessoal do rádio. Ao ouvir a história de Nóbrega, ele vê no baú uma ótima oportunidade de negócio. Assume então a empreitada e torna a pequena iniciativa num dos empreendimentos mais rentáveis do Brasil.
Naturalmente, para expandir o baú, Sílvio precisava de propaganda. Seu talento para a comunicação foi essencial nesse processo. Comprando espaços nas emissoras, ele logo inventava um programa de jogos, algo divertido que no fundo era só uma desculpa para falar da sua verdadeira fonte de renda. O sucesso como apresentador no canal dos outros lhe deu impulso para pleitear a autorização para ter um canal só seu. Surgiu o Sistema Brasileiro de Televisão, inicialmente contando só com o enorme Programa do Sílvio Santos.
Ele já era famoso, mas manter uma emissora não é tarefa simples. Por outro lado, é fato que Senor Abravanel sabe agradar quem assiste. Por isso ele interfere em cada detalhe de cada programa do SBT desde o começo. Sua verdadeira obsessão era sempre com os programas de prêmios. Para ele o telespectador tem que ganhar algo ou ver alguém ganhando dinheiro. Não é um mote perfeito para um canal que sempre se autodeclarou voltado para o povão? E fazendo assim o SBT ganhou espaço, cresceu e chegou na vice-liderança. E isso para Silvio era motivo de transformar um limão numa limonada, como de costume. Tanto que ele usou o slogan “SBT: líder absoluto da vice-liderança”. Alguém pensaria em algo assim, exceto no SBT?
De fato Sílvio já fez muita coisa certa, não fosse isso seu canal não seria vice-líder de audiência atrás somente da perfeccionista Rede Globo. No entanto, algumas coisas são inacreditáveis para uma emissora do porte do SBT. Lembrem-se dos casos das novelas que mudam de horário dez vezes, as eternas reprises do Chaves ou vinhetas como essa:
Isso é a cara do Sílvio. Dá até para imaginar ele na reunião propondo uma coisa dessas, enquanto todo mudo tem que concordar, apesar de achar uma doideira só. Mesmo assim, não lhe acusem de fazer algo em que não acredita. E não foi por acertar sempre que ele se tornou famoso. Não foi por fazer o que os outros fazem que Sílvio é célebre. Ele é uma unanimidade por ser ele mesmo, por mais tosco que isso às vezes pareça. Afinal o plano vem dando certo, não é verdade?
Curiosidades de Sobremesa
1 – Na época do rádio Sílvio Santos era conhecido como o Peru que Fala, uma vez que ficava vermelho quando atuava como locutor.
2 – O patrão tem uma forte alergia a perfume, por isso ninguém pode chegar perto dele usando esse cosmético. O pior é que ele perde a famosa voz quando fica alérgico.
3 – O Sistema Brasileiro de Televisão lançou diversos artistas hoje consagrados, além de programas famosos como Jô Soares Onze e Meia, Casa dos Artistas, Domingo Legal, Aqui Agora, Programa Livre, Show do Milhão, entre outros.
4 – E as novelas mexicanas? Vai dizer que você não curtia Carrossel? E que tal Maria do Bairro ou A Usurpadora? Sempre tinha uma tia velha para acompanhar as tristes histórias interpretadas por Thalia.
5 – O SBT cobre 98% do território nacional e continua na vice-liderança, apesar das lambanças e das porradas que leva da Record. Não sei se isso vai continuar depois que o Sílvio morrer. As filhas deles vão dar conta?
6 – Agradecimento especial para minha amiga Mirtes Caetano pelo mote do post de hoje. Foi numa conversa com ela que acabei sabendo dessa vinheta bizarra do SBT. E na discussão subsequente surgiu a percepção de como o SBT é pura manifestação do Sílvio Santos em toda sua genialidade e bizarrice. Valeu Mirtita!