“Boxxy era uma garota feliz e normal de 16 anos, que gostava de animes e jogava Gaia Online. Nada de errado ou ilegal ela fez. Porém ela recebeu um imenso castigo, imerecido até por muitos outros retardados da internet”.
Um mês depois do fenômeno: a história de Boxxy, a ciência de Boxxy, do Youtube a presidentes americanos, na continuação.
FOAR EVERYWUN FROM BOXXY
Tudo começou quando seu internet friend, Ant, pediu que ela fizesse um vídeo para ele. Ela fez. Um outro amigo pediu o mesmo. Ela também fez. Eram vídeos excêntricos, parecia que boxxy, sua alcunha virtual, possuía… problemas mentais. Mas ela era uma garota comum. Uma garota comum.
Seus vídeos foram vistos por algumas centenas de pessoas até o fim do ano passado. Até o fim do ano passado. No dia de 27 de dezembro de 2008, um indivíduo os indicou no 4chan, um dos maiores fóruns e local de nascimento e propagação de muitos memes da Internet (como o vídeo de Albert Einstein beijando Marylin Monroe).
O vídeo se espalhou rapidamente. Em questão de horas milhares de novatos criavam tópicos sobre como a ‘boxxy’ é demais e queriam casar com ela. Veteranos viam nisso um “câncer”, uma ameaça ao seu querido fórum, e tentavam erradicar a praga. Amor ou ódio, boxxy dominou o 4chan.
Uma semana depois, boxxy criou um novo vídeo direcionado especificamente ao 4chan. É o que você assiste acima. Neste vídeo, ela estava mudada. Ela percebeu sua fama virtual. Ela percebeu que era idolatrada. Ela percebeu. E ela gostou.
“Eu não falo normalmente assim”, ela contou, falando exatamente assim. “E eu não uso drogas”, esclarecendo a grande dúvida.
Em um dia, o vídeo alcançou o topo do Youtube com 300.000 espectadores. “Boxxy” se tornou o quinto termo mais buscado no Google, ofuscando os conflitos no Oriente Médio. E conflitos virtuais, em uma auto-intitulada “guerra civil online”, se incendiaram, levando o próprio 4chan a ficar fora do ar por quatro horas, o que resultou no banimento de qualquer discussão a respeito no fórum, uma invasão à conta de Boxxy no Youtube, a revelação de seus dados pessoais, a repulsa popular pela invasão e exposição da vida da garota, o retorno de sua conta e mais em uma longa história melodramática de pessoas sem muito o que fazer da vida.
Boxxy é uma menina comum, menor de idade. Ela realmente tem 16 anos, ao contrário de lonelygirl15, um outro fenômeno da Internet que em verdade envolvia uma atriz com educação formal, de 19 anos de idade e toda uma companhia de produção, incluindo roteiristas e histórias um tanto mirabolantes.
Nenhum dos três (três!) vídeos de Boxxy conta realmente uma história. Todos são dirigidos a comunidades online específicas, e os dois primeiros, a um grupo pequeno de jogadores online, sem nenhuma pretensão de dominação mundial. Toda a comoção e invasão em fóruns são obra daqueles que a amaram ou odiaram. Sem que ela pedisse que a amassem ou odiassem. Ela é apenas uma adolescente. E provocou todas essas paixões sem apelos sexuais.
Embora ser mais do que bonitinha explique parte de seu sucesso, com uma webcam na mão e talvez nenhuma idéia em particular na cabeça, Boxxy alcançou em alguns dias mais de um terço dos assinantes no Youtube da lonelygirl15. Que já tem seu canal há mais de dois anos. E alguns diriam que a lonelygirl15 seria mais bonita que Boxxy. Concorde ou não, ame-a ou odeie-a, lonelygirl15 sem dúvida mostra mais partes do corpo. Boxxy nem usa decotes.
Como explicar o fenômeno Boxxyano? A ciência talvez ajude.
FOR THE AMERICAN PEOPLE FROM REAGAN
Há vinte anos, um outro fenômeno inexplicável tomou o mundo. Era um sujeito que aparecia no vídeo, e as pessoas o amavam ou odiavam. Com o detalhe de que envolvia planos de dominação mundial de verdade. Eram os anos da presidência de Ronald Reagan, o chamado “presidente Teflon”, porque nenhum dos inúmeros escândalos de sua administração grudavam em sua imagem. E enquanto ainda não há estudos acadêmicos sobre Boxxy, cientistas sociais vêm investigando cientificamente o fenômeno Reagan desde então.
Reagan era um ator profissional, e apesar de nunca ter ganho um Oscar, pesquisas diferentes mostraram que atuava bem, para um político pelo menos. Tanto eleitores democratas como republicanos reconheceram os sinais não-verbais que ele expressava – movimentos de cabeça, corpo, expressão facial, etc. – como consistentes com a mensagem que ele desejava transmitir. Pode soar simples, mas lembre-se de que Reagan era um político. Combinar sua expressão não-verbal com a mensagem que você quer transmitir é um tanto complicado quando você não diz exatamente o que pensa.
Se tanto aqueles que amavam como odiavam Reagan identificaram corretamente as expressões que ele transmitia de forma não-verbal e consistente, o mesmo não acontecia com suas reações emocionais a tais sinais. Aqueles que o apoiavam ficavam felizes ou nervosos acompanhando as expressões de seu presidente. Já seus opositores relataram ser emocionalmente indiferentes à alegria ou apreensão expressos pelo desafeto. Ele poderia estar simplesmente… atuando.
Nenhuma grande surpresa aqui. Reagan era um bom comunicador, suas expressões eram captadas corretamente, mas a opinião já formada dos espectadores sobre Reagan moldou como reagiram emocionalmente a tais expressões. Caras e bocas por si só não convencem ninguém. Nenhuma surpresa.
Sendo ciência, no entanto, você pode esperar o inesperado. Como medir as emoções de uma pessoa? Bem, nos experimentos acima, a avaliação foi feita com questionários detalhados em que as pessoas descrevem suas reações. E se você for um tanto cético sobre como as pessoas conseguem (ou querem) relatar de forma acurada e precisa suas emoções em um questionário, não estará sozinho. Os próprios cientistas reconheceram o problema.
O que os levou ao detector de mentiras. Que não é realmente um detector de mentiras – esse é um tema para ainda outra coluna – mas envolve a medição objetiva das reações fisiológicas que possuímos. Medindo batimentos cardíacos e a resistência da pele como indicadores do nível de excitação do sistema nervoso autônomo, bem como sensores da atividade dos músculos faciais (eletromiografia) para avaliar suas respostas emocionais, os cientistas descobriram o que pode ser inesperado.
Tanto aqueles que amavam como odiavam reagiram neste nível fisiológico da mesma forma. Um Reagan nervoso provocava maior excitação, um Reagan calmo conduzia a menor excitação, e isso tanto em democratas quanto em republicanos. Ronald Reagan ria, e os músculos faciais associados ao riso eram levemente estimulados. Ele franzia, e as pessoas reagiam de forma similar. Siga o mestre.
Ao contrário das respostas verbais em questionários, as medidas fisiológicas diretas não dependiam da opinião prévia dos sujeitos sobre Reagan. Dependiam das expressões de Reagan. Opositores não podiam dizer que eram completamente indiferentes à alegria ou tristeza de Reagan. Em um nível fisiológico, involuntário, medido com sensores elétricos, não podiam fugir da empatia ao presidente.
Estas eram, claro, apenas reações tênues e fisiológicas; até que ponto poderiam influenciar a formação de opinião é uma questão muito mais complexa. Embora desde aquela época alguns tenham entendido tais estudos como prova do caráter falso e manipulador de Reagan, e mesmo hoje outros devam estar imaginando se um certo presidente com níveis de popularidade históricos no Brasil também não poderia tentar a carreira em Hollywood, os estudos científicos em si são muito mais cautelosos em suas conclusões.
[lulalol]
Tais conclusões mostram sim que a comunicação não-verbal provoca reações automáticas em todos. O que nos leva de volta à Boxxy.
CARAS E BOCAS
Os três vídeos que milhões viram no mês passado não têm nenhum roteiro, não têm apelos sexuais (ao menos não explícitos, ou implícitos, apesar da regra 34), como já notamos. Mas de certa forma têm efeitos especiais, e Boxxy sim mostra bem uma parte do corpo.
Ela mostra o rosto, onde destacou com maquiagem e iluminação os seus olhos. A iluminação deixa seu rosto mais branco, em contraste com o fundo quase completamente escuro, e o delineador direciona ainda mais atenção aos seus olhos. Isso, curiosamente, pode estar em moda hoje apesar de ser um recurso muito usado em outra época onde imagens de baixa definição e clareza eram vistas por muitos. A época do cinema-mudo.
Sendo o cinema-mudo, expressões faciais também eram exageradas para transmitir alguma emoção. Charlie Chaplin também usava delineador para interpretar Carlitos. E não era emo. Considerando a forma intencionalmente desconexa com que Boxxy fala em tais vídeos, seu sucesso, sua popularidade, devem estar relacionados com sua expressividade não-verbal.
As muitas expressões, assim como a rapidez com que ela as altera em frações de segundo são bem evidentes. Não seria preciso percorrer todo o caminho e mencionar Reagan para chegar até aqui, mas aos bravos e persistentes, espero que tenha valido a pena percorrer o caminho para associar Boxxy a Reagan, e então, aos estudos que sem dúvida serão conduzidos, se é que já não estão sendo, sobre a expressividade e as reações provocadas por Barack Obama.
Se você chegou até aqui também deve perceber que não deve ser mera coincidência que uma das principais formas pelas quais Boxxy dominou o fórum 4chan foi através dos tópicos “YOU RAGE YOU LOSE”. Tópicos assim geralmente contêm vídeos irritantes ou textos de troll em que a pessoa que ficar mais tempo assistindo ou lendo sem ficar irado (RAGE), ganha. Nós temos respostas fisiológicas empáticas automáticas a expressões. Assistir aos vídeos Boxxy sem absolutamente nenhuma reação emocional é praticamente impossível. THE GAME.
Estudos sobre a empatia se estendem muito além daqueles envolvendo Reagan, e em anos recentes, entraram literalmente dentro de nossos cérebros, enquanto exames de ressonância magnética funcional evidenciam como nossa massa cinzenta reage em plena atividade a diferentes estímulos. A empatia automática ocorre não apenas em nossa pele ou rostos, ela também se manifesta (ou melhor, se origina) em nossos cérebros.
No próximo capítulo
Assim como estudos científicos não pretendem revelar a Verdade sobre o poder de Reagan, estas especulações não devem ser tomadas como a explicação definitiva para o mistério de Boxxy. Não, a ciência não entende o amor ou o ódio. Ao mesmo tempo, contudo, deve estar claro que nossas emoções não são completamente distantes de uma investigação rigorosa e objetiva. Você não esperaria que pessoas contra ou a favor de um político reagissem fisiologicamente da mesma forma, mas elas o fazem. Reagan, intencionalmente ou não, deve ter se beneficiado de tal de alguma forma. Boxxy também.
Na próxima coluna, seguiremos para o que outros estudos já revelaram sobre nossas emoções e sentimentos, com aplicações indo dos vencedores do Big Brother Brasil ao povo !Khung na África. E Boxxy, claro.
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Referências
- “Boxxy” de WikiVT.com.br – http://www.wikivt.com.br/index.php/Boxxy
- The Boxxy Story – http://boxxystory.blogspot.com/
- Encyclopedia Dramatica – http://encyclopediadramatica.com/Boxxy (NSFW)
- How Boxxy brought the web to its knees – http://www.guardian.co.uk/technology/blog/2009/jan/20/internet
- The face that launched an online war – http://www.theglobeandmail.com/servlet/story/RTGAM.20090206.wlmicro06/BNStory/lifeMain/home
- Emotional Contagion, Cambridge University Press – http://books.google.com/books?id=jQJ1J_Vw1N8C
- Attention, Attitude, and Affect in Response to Advertising – http://books.google.com/books?id=allDkLbhNPkC