Força da mente provada em vídeos?

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É honestamente um dos vídeos mais curiosos demonstrando supostos poderes paranormais a que já assisti. Não é um feito em si extraordinário como a multiplicação de pães, afinal é apenas um pedaço de papel girando. Tão útil quanto entortar talheres. Mas as inúmeras formas pelas quais o autor do vídeo busca deixar claro que não há nenhum truque envolvido elevam o efeito banal a algo genuinamente intrigante.

Antes de abordar em detalhe o vídeo, gostaria de pedir que você anote em um papel, no bloco de notas ou aonde for, exatamente como responderia sucintamente a duas perguntas: 1-“Este vídeo prova o paranormal?” e 2- “Como ele foi feito?”. É importante que deixe anotadas suas respostas, porque elas podem surpreendê-lo logo mais. Senta que lá vem a história.

Psi wheel

Se ainda restavam dúvidas de que o vídeo é real, o autor ainda criou este outro:

Há toda uma moda em torno destas “psi wheels”, dobradas de papel em formato de pirâmides (!), capazes de girar livremente. Milhares de pessoas tentando movê-las com sua “força da mente” para ver se não são X-Men.

O que praticamente todos acabam fazendo é movendo-as, mas sem nenhum poder paranormal. A construção da psi wheel, com grande área apoiada sobre uma agulha com pouca fricção, faz com que se movimente por inúmeras influências externas que passam comumente despercebidas, como:

A convecção do ar, que pode ser aquecido mesmo por sua mão; correntes de ar sutis, simples e leves lufadas vento; vibrações, vulgo remexidas; e mesmo eletricidade estática, a mesma que levanta seu cabelo e atrai pedaços de papel.

Explicado isso, o mistério continua: nenhum destes efeitos parece explicar os dois vídeos que vimos. No primeiro o autor usa o secador de cabelo para mostrar como a psi wheel está devidamente isolada pela tigela de vidro, o que é especialmente relevante porque soprar é um velho truque que se tornou famoso nos anos 1980 através de James Hydrick, que dizia ser um X-Men, digo, um psíquico paranormal. Ele foi devidamente desmascarado na TV pelo cético James Randi (se tiver pressa, não perca a parte 2, é um clássico FAIL).

Não contente o autor do vídeo também usa um ímã potente para descartar truques magnéticos, e a velocidade e mesmo a mudança de direção controlada com que a psi wheel gira no primeiro vídeo parece descartar que vibrações estejam envolvidas. Ainda resta a possibilidade de eletricidade estática, mas embora não impossível, seria deveras complicado criar um motor eletrostático nessas condições, dado que ele também mostra como a mesa aparenta ser comum.

Você já anotou em algum lugar como responderia às duas perguntas? Por favor, anote. O vídeo prova o paranormal? Como ele foi feito?

Respostas

Algum tempo depois de divulgar seus vídeos, o autor, “Mattman”, publicou um esclarecimento:

“Os dois vídeos foram experimentos sociais, ambos são ilusões. Tive a idéia de criar um vídeo de telecinese de forma a mostrar que, apesar do que as pessoas acreditem, estes vídeos são absolutamente inúteis como ‘prova’ do fenômeno conhecido como telecinese. A idéia era criar o vídeo amador mais convincente de psi wheel na Internet, ver as pessoas apoiando-o e então confessar que o vídeo era uma ilusão, para deixar claro que por mais convincentes que estes vídeos possam parecer, é sempre necessário vê-los com uma dose saudável de ceticismo, ainda que você acredite nestas coisas”.

Aqui está a resposta à primeira pergunta, e ela é, claro, a de que o vídeo não prova o paranormal. Mas perceba: não porque o autor confessou que era uma ilusão, uma fraude. Esse é um detalhe, relevante, mas um detalhe.

Ainda que ele não confessasse, o vídeo continuaria muito distante de ser uma prova satisfatória. Neste exato momento, por exemplo, você ainda não sabe como o vídeo foi feito. Ele poderia ter sido criado de mil e uma maneiras, nenhuma delas paranormal. Um vídeo desta natureza, caso autêntico, seria apenas o primeiro passo de uma série de outros experimentos a ser realizados para verificar, reproduzir e assim finalmente evidenciar algo tão extraordinário quanto a telecinese. O autor do vídeo pode, amanhã, voltar atrás em sua confissão, dizer que eram reais e os MIBs o obrigaram a mentir… e o vídeo continuaria não sendo prova satisfatória do paranormal. É apenas um vídeo.

Vamos então à segunda resposta. Como ele foi feito.

“O truque foi muito simples. Os dois vídeos usaram a mesma trapaça, uma mesa preparada. Dito isso, nenhum dos seguintes meios foram usados:

– Ímãs,

– Correntes de convecção,

– Eletrônica (de qualquer tipo),

– Edição de vídeo,

– Estática,

– Fios,

– Minha mão esquerda (lol)

– Ou qualquer outra coisa que as pessoas ‘sabem’ que eu usei…

No segundo vídeo [com duas tigelas transparentes], um buraco minúsculo foi criado tanto na superfície da mesa como na tigela inferior. Uma pessoa fora das câmeras estava soprando um tubo conectado ao buraco na mesa, o que fez a psi wheel girar. O primeiro vídeo usou o mesmo princípio, mas de forma mais sofisticada. A mesa é oca, com dois canais de ar separados conectados a dois pequenos buracos em sua superfície. Os dois tubos se conectavam a buracos diferentes nas pernas, também ocas. Os buracos de conexão nas pernas foram escondidos por uma fina lâmina que podia ser retirada e colocada de volta. É por isso que você não vê a parte inferior das duas pernas frontais da mesa no vídeo quando a psi wheel está girando. Aqui também, usei um ‘comparsa’ para conectar e desconectar os tubos bem como soprar neles para uma ilusão mais convincente.

Meio chato agora que você sabe como foi feito, não?”

Criei gráficos, abaixo, que talvez ajudem a entender melhor os truques. Começando pelo segundo vídeo, o mais simples, basta um tubo, um tampo de mesa furado e um furo na tigela inferior.

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Alguns podem pensar que como não há um segundo tubo ligando o buraco na mesa ao buraco na tigela, o truque não funcionaria. Ele funciona, o ar soprado sai da mesa e continua com pressão suficiente para sair pelo buraco na tigela para então movimentar a psi wheel. Qualquer corrente de ar movimentará a psi wheel, vulnerável às mais sutis lufadas. A única limitação é que não se pode controlar a direção para onde ela irá girar.

No primeiro vídeo, o mais interessante, a sacada genial são as pernas da mesa que são cortadas pelo enquadramento da câmera. É com este pequeno detalhe, aparentemente inocente e despercebido em meio a todo o “misdirection” de mostrar a mesa, ímãs e o secador de cabelo, que todo o resto se segue.

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Note que o barulho do secador de cabelo também serve para encobrir qualquer barulho que a movimentação do cúmplice abaixo da câmera, conectando e desconectando os tubos, possa ter feito. Com dois tubos e dois buracos na mesa afetando diretamente a psi wheel, pode-se aqui controlar facilmente a direção e velocidade com que ela gira.

Agora que você conhece o segredo, pode parecer simples, talvez até óbvio. Por isso pedi para que anotasse suas respostas, porque chegou a hora de conferi-las.

Pseudoceticismo

Mattman acabou não testando apenas aqueles que acreditaram em seus vídeos. Ele reservou duras palavras para alguns céticos:

“Eu falei de uma dose ‘saudável’ de ceticismo porque, ao contrário de minhas expectativas iniciais, as pessoas mais ignorantes em todo este experimento foram os céticos empedernidos. Cada um daqueles que expressaram um monte de besteiras [sobre como o vídeo foi feito] foram tão ‘estúpidos’, ‘ignorantes’ e ‘crédulos’ quanto os crentes que rotularam como tal, e talvez ainda mais porque ao menos os crentes possuíam o vídeo do seu lado, e um relativamente convincente, enquanto os céticos não tinham nada além de arrogância infundada em si mesmos pensando, sem questionamento, que ‘simplesmente sabiam’ que o vídeo era falso e como havia sido criado”.

Toda uma discussão, até mesmo filosófica, pode ser feita sobre se podemos dizer que um vídeo como o de Mattman é falso. Não se preocupe, se você bravo leitor já chegou até aqui esta coluna não será lugar para tal, mas se há uma lição para os crédulos que acreditaram no vídeo, também há lições para céticos. Podemos dizer com segurança que o vídeo não constituía prova do paranormal, no entanto isso não é o mesmo que poder dizer com a mesma segurança que ele é falso!

Podemos presumir que seja falso, com razoável segurança – ao contrário do que Mattman diz, nós céticos temos toda a ciência a nosso favor nessa suposição. É, contudo, uma suposição, um pressuposto deduzido da ausência de evidência do paranormal. Como dizia Sagan no entanto, ausência de evidência não é evidência de ausência.

Podemos também especular sobre a forma como foi feito. Será, contudo, apenas especulação. A menos que encontremos evidência ou que o autor revele e indique como criou seus vídeos, será apenas especulação.

O que não podemos, sob o risco de praticar o pseudoceticismo, é gritar “Fake!” e proclamar como foi produzido, “AfterEffects! Fio de nylon!”, como se nossa certeza injustificada esclarecesse um vídeo que conhecemos pelo Youtube em baixa resolução. Estaremos, de fato, sendo igualmente crédulos e confiando demais no que vemos… no Youtube. Enquanto alguns vêem forças paranormais reveladas no Youtube, pseudocéticos podem ver “evidência clara” de edição de vídeo, fios e o que mais for onde realmente não há.

Este sermão é um tanto chato, e você pode se perguntar como este que escreve aqui responderia às perguntas. Bem, conheci estes vídeos recentemente, embora já circulem há alguns anos, indicados por ninguém menos que o DelDebbio.

“Já viu este video? Estando na internet, provável ser fake, mas é muito bem feito”, ele me escreveu, no que passou no teste ao não acreditar no mesmo, nem afirmá-lo como falso. E eu, como respondi?

“Muito bom o vídeo mesmo. Acredito que seja fake sim, no sentido de que o autor encontrou uma forma de fazer a psiwheel girar, aparentemente (aparentemente!) sem recorrer a magnetismo ou correntes de ar externas, e está usando essa forma para o vídeo”.

Você pode julgar se esta foi uma boa resposta e se sou um cético bonzinho. Penso que o “aparentemente!” me salvou, por pouco, afinal, a psiwheel gira com correntes de ar externas apesar de aparentar o contrário. Mas só inseri o “aparentemente!” depois de passar sim vários vexames proclamando minhas especulações apenas para descobrir que a verdadeira explicação a algo jamais havia passado por minha mente. Como aqui, não passou.

Esta coluna já está longa e soando como diário, então não me estenderei para comentar como a psi wheel lembra o radiômetro de Crookes, um aparato curiosíssimo em si mesmo e cuja explicação científica é até hoje verdadeiramente intrigante (vários cientistas proclamaram explicações que mostraram estar erradas, e até hoje vários professores o explicam incorretamente).

Isso sem contar como o próprio Sir William Crookes, inventor do radiômetro, tem toda uma história relacionada ao espiritualismo e paranormal, em uma fina ironia. Tudo isso pode ficar para uma outra coluna.

Afinal, como se poderia responder adequadamente às perguntas, lá no início, antes de ler todas estas confissões, explicações e sermões? Aqui vai uma sugestão:

O vídeo prova o paranormal? Não.

Como ele foi feito? Não sei.

Simples, não? Aparentemente!

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