Lançado em 2004, o serviço de email do Google, Gmail, já alcança hoje quase meio bilhão de usuários. E a maior parte destes internautas vê diariamente o ícone de um envelope estilizado em vermelho, com o “M” destacado, sem se dar conta de que ele é quase idêntico a um avental ritualístico usado na Maçonaria há alguns séculos. A “grave” denúncia foi feita pelo Núcleo Ateísta de São Paulo, embora outros veículos de mídia como Icanhascheezburger também tivessem revelado a “importante” conexão há alguns anos.
Qual o significado da Conspiração do Gmail e os símbolos maçônicos que vemos espalhados quase subliminarmente por toda parte? Investigamos o logo do Gmail com certa “Dúvida Razoável” e o mais famoso símbolo oculto na continuação.
Primeiro de Abril – e 31 de Março
Em anos de Internet, oito anos são uma eternidade, então talvez você não se lembre que o Gmail foi lançado inicialmente em um 1 de Abril, oferecendo 1 Gb de espaço — a ideia revolucionária, na época, de não precisar apagar mensagens e mantê-las todas nos servidores online da empresa de Mountain View. Eram tempos de malemolência, de uma Internet mais moleque em que a empresa ainda tinha quase todos seus produtos em beta, e no mesmo dia anunciaria que estava oferecendo oportunidades de emprego na Lua.
Foi nesse espírito, de anunciar um produto tão importante em um primeiro de abril, que descobrimos recentemente que a história do logotipo do Gmail se encaixa. Ela não envolve uma teoria de conspiração — embora uma sempre possa ser inventada. Ela envolve um designer trabalhando até mais tarde… em uma única noite!
“Dennis Hwang desenhou o logo Gmail“, esclareceu Kevin Fox, por anos principal designer de experiência do usuário do Google. “Na época, Dennis desenhava quase todos os doodles do Google. O logo [do Gmail] foi desenhado literalmente na noite da véspera do produto ser lançado. Estávamos trabalhando até bem tarde e Sergey [Brin] e eu fomos ao cubículo dele para ver ele sendo criado“.
É quase inacreditável que o logo do Gmail tenha sido criado por Hwang, acompanhado por Brin e Fox na noite de 31 de março de 2004, horas antes do produto ser lançado. Mas então, é também difícil de acreditar que o produto fosse lançado em um primeiro de abril. Douglas Edwards, o funcionário número 59 do Google conta sua história no livro “I’m Feeling Lucky” (“Estou com Sorte”, 2011), e confirma tanto a versão contada por Fox quanto as reservas sobre lançar o Gmail no Dia da Mentira:
“Em fevereiro de 2004, Sergey sugeriu lançar o Gmail no Dia da Mentira. Seria engraçado ver a imprensa correndo atrás da história para saber se o produto era real ou uma piada. Eu não via graça em brincar com nosso maior lançamento de um novo produto apenas por algumas risadas. Contei isto a Sergey e repeti minhas preocupações em uma reunião em março“, conta Edwards. “Eric [Schmidt] concordou com minha preocupação e como CEO tomou a decisão (…) poderíamos lançar em 1 de abril, mas deixaríamos claro que Gmail era de verdade“.
A piada do escritório do Google na Lua, aliás, foi uma ideia do mesmo Edwards. Ele continua em suas memórias sobre as origens do Gmail:
“Hwang passou o dia antes do lançamento pensando em ideias para um logo e tentando fazê-lo funcionar com conjunto com a marca de cores de circo do Google. Eu sugeri que ele desenhasse o Google em cinza e deixasse o logo Gmail carregar as cores corporativas. Mesmo depois de quatro anos no Google, eu achava surpreendente que um sujeito de vinte e poucos anos estava sentado sozinho em sua mesa, bebendo chá e desenvolvendo o principal elemento de branding de um produto que seria usado por milhões de pessoas — na noite anterior a seu lançamento“.
A conexão dos Doodles e os Aventais Maçônicos da moda
Se Dennis Hwang criou o logo do Gmail, em uma noite, seria ele um maçom determinado a inserir símbolos ocultos, ou não tão ocultos, em suas obras? Talvez, mas entender que Hwang desenhava a maior parte dos Doodles do Google é uma explicação muito mais simples para o envelope vermelho do Gmail. Em todo Doodle há uma brincadeira mesclando objetos e ilustrações dos mais diversos, celebrando as mais diferentes datas e figuras, com as letras do Google. No vídeo acima, vemos Hwang criando o Doodle celebrando o Ano Novo lunar, desenhando um pequeno rato com sua cauda substituindo a letra “g” do logotipo Google.
Que ele tivesse a ideia de traçar um “M” sobre as linhas de um envelope de carta para criar o logo do Gmail parece completamente natural: se há alguém que deveria ter a ideia de mesclar uma letra de “Gmail” sobre um envelope, era Hwang.
Para quem ainda fique muito impressionado com a coincidência entre o envelope do Gmail e os aventais maçons, vale também explicar que nem todos aventais maçons são vermelhos, ou têm exatamente esse design que lembra um envelope. Para a imagem inicial desta coluna escolhemos o avental mais parecido com o Gmail, mas em verdade existe uma enorme variedade de aventais maçons, de diversas cores e estilos:
E os aventais maçons por sua vez mudaram muito como artigos de moda desde o século 18, indo de origens remetendo a aventais utilitários a estilizações simbólicas cada vez maiores:
Mais ainda, que os aventais lembrem um envelope não é uma coincidência aleatória. Em sua origem os aventais maçons eram em parte dobrados de uma única peça, e o envelope de carta clássico também é criado dobrando um único pedaço de papel. A coincidência da aba na parte superior é tão misteriosa quando uma simples dobra. Já em 2008, depois que o Gmail foi aberto ao público, um maçom brincava com a semelhança, sem levá-la a sério.
O Olho que Tudo Vê e o Peru de Franklin
Se o logo do Gmail não é tanto um símbolo maçônico e sim mais uma variação de um Doodle, o que pensar então do sinistro símbolo na nota de 1 dólar? Seria o mais conhecido símbolo secreto de todos. E o ainda mais paradoxal é que apesar dele ser um dos símbolos mais conhecidos da maçonaria, ele não foi colocado lá como parte de nenhum plano maçom.
A pirâmide incompleta e o Olho da Providência na nota de 1 dólar americano não são símbolos criados especificamente para a cédula de dinheiro: eles são o verso do Grande Selo dos EUA, cuja frente também figura na nota e é mais conhecida.
Seu desenho é a própria definição de desenho por comitê: foram nada menos que três comitês, com ideias, sugestões e deliberações de inúmeras pessoas, ao longo de 13 anos (!) até que a versão definitiva fosse oficializada. Praticamente todos os passos e deliberações foram preservados, e o único maçom a integrar os comitês foi Benjamin Franklin — cujas sugestões não chegaram à versão final do Grande Selo. Ele chegou a sugerir a cena de Moisés e o Faraó para o selo, que foi aprovada pelo primeiro comitê, mas como sabemos, não sobreviveu até o último.
Mais do que isso, o Grande Selo não é definido como uma ilustração ou gravura, mas como uma descrição. Isso fica claro comparando um dos primeiros usos do verso do selo oficial, em 1786, ou mesmo uma aplicação em uma medalhão oficial em 1882:
Os elementos essenciais descritos e aprovados pelo congresso americano estão aí, mas com várias diferenças em estilo em relação ao verso do selo moderno. Especialmente relevante, a disposição das palavras “Annuit Coeptis” e “Novus Ordo Seclorum” não formam com uma estrela de Davi a palavra “Mason”. Isto pode ser visto na versão do selo usada na nota de 1 dólar, que por sua vez tem pequenas diferenças com o Grande Selo usado em outras ocasiões, incluindo essa versão ao lado de 1856:
Curiosamente, o maçon Ben Franklin também sugeriu uma cascavel como animal para o Grande Selo, e criticou a escolha de uma águia careca, sugerindo como mais apropriado… um peru:
“Eu gostaria que a águia de cabeça branca não tivesse sido escolhida como representante de nosso país. É uma ave de mau caráter. Não ganha a vida honestamente. Você pode vê-la empoleirada em uma árvore morta perto de um rio onde, muito preguiçosa para pescar por si mesma, observa o esforço do falcão pescador, e quando essa ave diligente conseguiu finalmente pegar um peixe e está em seu ninho para alimentar sua parceira e filhotes, a águia o segue e rouba o peixe“, escreveu Franklin. E comentando o desenho infeliz de uma águia em uma insígnia que mais parecia um peru, Franklin se mostrou satisfeito, pois “a verdade é que o peru é em comparação uma ave muito mais respeitável, e de todo verdadeiramente nativa da América. É além disso, apesar de um pouco vaidoso e bobo, uma ave de coragem que não hesitaria em atacar guardas britânicos que tentassem invadir sua fazendo vestindo casacos vermelhos“.
A depender de um dos mais destacados maçons a fundar os Estados Unidos, seu Grande Selo poderia ter uma cascavel ou mesmo um peru. Como mesmo lojas maçônicas sérias explicam, “nem o olho nem a pirâmide jamais foram símbolos unicamente maçônicos. (…) O olho único [da Providência] era uma convenção artística bem estabelecida para uma ‘Deidade Onisciente e Onipresente’ na arte de medalhões da Renascença. Pierre Du Simitiere, que sugeriu usar o símbolo, colecionava livros de arte e conhecia os recursos artísticos e ornamentais usados nas arte Renascentista“. E Du Simitiere não era maçom.
“O primeiro uso e definição ‘oficial’ de um olho que tudo vê como símbolo maçônico parece ter ocorrido em 1797, 14 anos depois que o Congresso adotasse o desenho do Selo. Não há documentos disponíveis mostrando o olho que tudo vê associado à maçonaria antes disso, e nenhum associado mesmo aos Illuminati da Baviera, com ou sem uma pirâmide“.
A coincidência aqui é algo como aquela entre os envelopes e aventais: não é que um seja a cópia de outro, ambos têm conexões em suas origens. Tanto entre os comitês que definiram o Grande Selo americano quanto entre maçons em busca de maior identidade, e ao redor da mesma época, o Olho da Providência representou um símbolo coerente com aquilo que buscavam representar: simplesmente uma Deidade, sem remeter a uma instituição religiosa em específico.
Acredito Porque É Absurdo
Tudo isso pode ser apenas parte da Grande Conspiração, é claro. Todos os nomes citados aqui podem ser em verdade maçons ou illuminati — ou ambos! — e as histórias absurdas de que o logo do Gmail foi criado em uma noite ou de que o Grande Selo dos EUA levou mais de uma década para ser definido pelo Congresso por três comitês podem ser apenas cortinas de fumaça. Nas melhores Teorias de Conspiração, a ausência de evidência é evidência de presença: se você não enxerga o elefante no seu jardim, é apenas porque o elefante sabe se esconder muito bem. E pensar desta forma pode ser sim divertido e até confortante, porque afinal, é confortável pensar que um mesmo grupo de pessoas tenha um plano e controle o mundo, desde tempos imemoriais, passando pela fundação dos EUA, pela criação do dólar e chegando até nosso webmail.
Que Ben Franklin preferisse uma cascavel ou um peru a uma águia como animal, ou que o logo do Gmail tenha sido criado às pressas em uma noite sugerem um mundo muito mais caótico e imprevisível. Isso sim pode soar absurdo, mas a realidade é sempre mais surpreendente que as ficções de reviravoltas tão previsíveis quanto um filme com Nicolas Cage. Por mais que nossa imaginação seja infinita, ela ainda é apenas parte de um mundo de infinitos infinitos. Isso não deve diminuir nossa imaginação, só deve aumentar nossa admiração pela realidade e a necessidade de separá-la da ficção.
Afinal, talvez Dennis Hwang realmente seja maçom e dê gargalhadas maquiavélicas até hoje com o logo do Gmail. Mas essa é apenas uma especulação divertida.
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