“Um grupo de adolescentes viajando sozinhos pela primeira vez resolvem fazer a brincadeira do copo. As perguntas eram todas respondidas, e todos pensavam que quem estava mexendo o copo era o rapaz da foto. Até que o copo quebrou. As pessoas estranharam, mas logo deixaram o assunto de lado. Esse rapaz foi o primeiro a ir dormir naquela noite. Seus amigos foram aprontar com ele e tiraram uma foto.
Mas no dia seguinte ele não acordou. Todos tentaram, mas foi em vão. Ao perceberem o que aconteceu, o levaram para o hospital. Já era tarde. A necrópsia acusou que o rapaz já estava sem ar no corpo há mais de 8 horas, além de ter o coração estraçalhado, como se tivesse sido comprimido. Algumas semanas depois, quando as fotos foram reveladas, isto apareceu”. shef
COPOS QUE ANDAM
A história é, claro, apenas uma historinha. Em verdade, a imagem foi criada pela americana Niki Harless para uma página na rede hoje extinta, convenientemente chamada “Como criar falsas fotos de fantasma”. Alguém a encontrou e resolveu que repassar a imagem sem dizer que era falsa seria mais interessante. E que seria ainda mais interessante inventar uma história muito pouco criativa.
Mas se sabemos que a imagem e a história contada sobre ela são simples fraudes, o que dizer da
brincadeira do copo?
Se você nunca participou de uma sessão com o utensílio, certamente conhece alguém que já o fez. A “brincadeira do copo” e suas variantes com canetas e compassos são comuns entre os jovens, que a fazem por curiosidade, incredulidade ou simplesmente porque sentem nela o mesmo prazer de assistir a um filme de fantasmas, só que para valer.
Os adeptos da religião espírita, por outro lado, não vêem nada de inocente na brincadeira e avisam que os espíritos que normalmente comparecem à sessão do copo são espíritos pouco evoluídos, zombeteiros e maldosos (os espíritos evoluídos parecem preferir outros meios de comunicação, como a psicografia).
Confirmando a fama sinistra, muitas pessoas relatam histórias envolvendo desgraças dos piores tipos ocorridas com amigos de amigos que fizeram a brincadeira do copo. O livro “Copos que Andam”, escrito por um morto e psicografado pela médium Vera Lucia Marinzeck, lança mais lenha na fogueira ao narrar diversas histórias terríveis, supostamente reais, de pessoas que se envolveram com a brincadeira do copo, em especial de uma jovem levada ao suicídio.
Curiosamente, esta má fama da brincadeira do copo é um fenômeno recente. Assim como o sorvete de casquinha, que parece ter existido desde sempre, mas é em verdade uma invenção recente, copos quebrados e canetas estouradas possuindo jovens incautos são lendas urbanas ainda mais jovens que a casquinha do sorvete.
VIDE O VERSO
A idéia moderna de falar com o além teve início em 1848, com o caso das irmãs Fox, inventoras do “telégrafo espiritual”. Espíritos produziam estalos misteriosos soletrando cada palavra, letra por letra. Embora elas tenham escrito livros inteiros com este método, era algo muito tedioso e com o tempo mesmo elas – assim como uma avalanche de médiuns – passaram a se valer de formas mais convenientes de comunicação com espíritos.
Um dos meios criados para falar com o além foram as “mesas girantes”. Um grupo de pessoas se sentava ao redor de uma mesa (quanto mais leve melhor) apoiando seus dedos sobre ela. Feitas as invocações espirituais iniciais, a mesa logo começava a balançar e girar batendo com suas pernas no chão; as pancadas eram transformadas em sinais: uma pancada para “sim”, duas para “talvez” e três para “não”. Não muito melhor que o telégrafo espiritual, mas o “faça você mesmo” era uma receita para o sucesso.
Surgiram muitas variantes, até que por volta de 1886 o “tabuleiro falante” foi inventado por espiritualistas. Pouco depois a invenção foi comercializada como o tabuleiro “Ouija”. Confira abaixo o tabuleiro vendido em 1891 pela Companhia de Brinquedos Kennard, que começou tudo:
Isso mesmo. Tabuleiros Ouija foram vendidos como brinquedos desde sua invenção há mais de um século. Confira o Museu dos Tabuleiros Falantes para uma galeria de imagens, incluindo este abaixo dos anos 1940, que parece uma toalha de papel do McDonald’s.
E é quase tão inocente: em seu verso estava um tabuleiro para jogar xadrez, damas e até paciência, para quando você e seus amigos enjoassem de falar com os espíritos.
Nenhum desses tabuleiros vinha com instruções alertando que se o espírito não “saísse” devidamente, continuaria presente para possuir os pobres inocentes brincando com o além. Tampouco houve recall em massa destes terríveis portais para dimensões desconhecidas. Eles continuam sendo vendidos.
Em 1967, em plena contracultura e Nova Era, a companhia de brinquedos Parker Brothers vendeu mais de dois milhões de tabuleiros Ouija, superando seu jogo de tabuleiro mais popular: o “Banco Imobiliário”.
Não apenas isso, tabuleiros Ouija foram usados sem maiores problemas por médiuns conhecidos para supostamente contatar o além desde o início. Em 1912, por exemplo, foi com um tabuleiro Ouija de brinquedo exatamente como os mostrados acima que a americana Pearl Curran disse ter contatado do além a nada maligna “Patience Worth”, hoje famosa entre espíritas.
Supostas conversas com espíritos através da brincadeira do copo foram mesmo responsáveis por um prêmio Pulitzer: o livro Divine Comedies de 1976, de James Merrill, não só descreve suas experiência e diálogos através do tabuleiro e um copo, sem histórias macabras, como é um livro de poemas!
A história é clara. Tabuleiros falantes, exatamente como a brincadeira do copo, são vendidos há mais de um século como brinquedos inocentes. Mesmo supostos médiuns famosos o usaram sem maiores problemas. Foram até a tranqüila capa de uma popular revista semanal americana, em maio de 1920, com uma ilustração típica do badalado artista Norman Rockwell.
Como explicar então a reputação macabra do simples tabuleiro letrado?
HOLLYWOOD
A resposta surpreendente sugerida por Widson Porto Reis, do Projeto Ockham, é de que a culpa é realmente de Hollywood. Em sua referência sobre o tema que é a base para boa parte do que você leu aqui, Reis explica:
“Se você pensar bem, verá que, assim como os índios e alienígenas, espíritos quase sempre fizeram o papel de vilões no cinema. De fato não há muitos filmes sobre espíritos bonzinhos (bem, há Gasparzinho…). E qual a melhor maneira de entrar em contato com um espírito zangado prestes a matar todo o elenco do que usando o bom e velho tabuleiro Ouija? Veja “Amytiville 3D” (1983), por exemplo. Nele Meg Ryan, em um de seus primeiros papéis, pergunta ao copo: “há alguém nesta sala que esteja em perigo”. Adivinhe a resposta.
Fundamental para a péssima imagem do tabuleiro foi a trilogia “O Espírito Assassino” (Witchboard, 1985). No primeiro deles, uma menina é possuída por um espírito maligno depois de brincar com um tabuleiro Ouija, abandonado durante uma festa (alguém havia esquecido de realizar o logout espiritual). Esse bom filme contêm todos os elementos que estereotiparam o Ouija: adolescentes irresponsáveis brincando com o que não deveriam, possessões demoníacas, sangue aos borbotões, etc.
Mas foi “O Exorcista” (1973), talvez o filme mais assustador de todos os tempos, que estigmatizou de maneira definitiva o tabuleiro Ouija. Logo no início do filme, a menina Regan explica para sua mãe como usa o tabuleiro para conversar com seu amigo invisível, o Capitão Howdy. Mais tarde descobre-se que o Capitão Howdy é o próprio Satã, que usa o inocente brinquedo para possuir o corpo da menina. Depois desse filme ninguém nunca mais olharia para um tabuleiro Ouija da mesma maneira…”.
“O Exorcista” foi inspirado na história de um garoto americano exorcizado em 1949. A história verdadeira, ao contrário do filme, não teve superjatos de vômito ou cabeças girando. Segundo um dos padres que executaram o exorcismo, nem mesmo a voz do garoto se alterou.
Mas o detalhe relevante é que o garoto sim chegou a brincar com tabuleiros Ouija, por influência de parentes espiritualistas. Sua família posteriormente se converteu ao catolicismo, e em algum ponto alguém resolveu culpar a influência da outra religião.
Que o garoto já apresentasse muitos sinais de desajuste social antes de ser “possuído”, e que sua possessão não fosse nada além de um menino revoltado gritando e cuspindo, não importou muito.
A história circulou pelos jornais até que décadas depois, em “O Exorcista”, chegou à forma final e terrivelmente assustadora de uma inocente e bem ajustada garotinha que é possuída pelo demônio ao brincar com o tabuleiro, passando a ter superpoderes sobrenaturais.
O resto, como dizem, é história. Que completando o círculo chega a muitas crianças e jovens como histórias reais que teriam acontecido com o amigo da prima de um conhecido. A semelhança com os filmes não seria mera coincidência.
Como vimos, se tabuleiros falantes fossem tão perigosos, seus milhões de exemplares vendidos há mais de cem anos já teriam deixado um grande rastro de portais abertos ao mundo das trevas, crianças possuídas destruindo quarteirões e espíritos malignos passeando por florestas que você teria conferido em noticiários, e não em filmes.
ZUMBIS
Conhece alguma história assustadora a respeito do copo que contrarie tudo que leu aqui? Comente!
Por outro lado, se a brincadeira do copo não é perigosa, o que ela é realmente? O que faz o copo andar? E afinal, onde estão os zumbis e por que a coluna desta semana parece ter pouco a ver com o tema da semana anterior, que questionava seu próprio livre-arbítrio?
As respostas a todas estas perguntas você confere na próxima semana. Não se esqueça de levar seus olhos até o local de saída escrito aqui embaixo, ou seu espírito poderá continuar vagando pelas páginas do Sedentário&Hiperativo!