É bem provável que no passado sua família tivesse poucas condições financeiras. Eram muitos irmãos e não seria estranho especular que seus avós deixaram uma cidade do interior para vir morar na capital. Com muito esforço seus pais terminaram os estudos. Compraram um terreno financiado por décadas, construíram uma boa casa tijolo por tijolo. Começaram com um fusca velho e foram trocando de carro até chegar ao belo sedan que dirigem hoje. Com muita dignidade seus pais realizaram o sonho das pessoas que nasceram entre as décadas de 40 e 70 do século XX.
O Brasil era então um país majoritariamente agrário, no qual ter o Ensino Médio completo valia mais que uma faculdade hoje. Possuir bens era algo raro, as coisas eram muito caras. Ter um som, uma televisão ou uma máquina de lavar eram luxos magníficos. Não existia crediário ou cartão de crédito. A carreira profissional era a que aparecia. Buscar sua vocação era uma frescura ridícula, o importante era pôr comida na mesa. Os valores e metas – enfim – eram outros.
Já você nasceu em um contexto bem diferente. Seus pais não tiveram tantos filhos assim e é possível que você tenha estudado em escola particular. Passou a maioria da vida andando de carro e curtiu ganhar um vídeo game no Natal. Escolheu a faculdade que quis, teve a liberdade de buscar o que julgava ser o seu talento. As coisas já eram mais baratas e o seu primeiro carro foi zero ou um semi-novo bem melhor que um fusca. Sua casa foi montada completa, com geladeira, fogão, máquina de lavar e se brincar até um frigobar. E se você ainda não mora sozinho, tudo bem. Hoje é algo muito comum para indivíduos com até 25 anos de idade, mas algo impensável para a época do seu pai.
Dois contextos tão distintos criam naturalmente gerações com visões bem diferentes. Por isso não é surpresa que seu pai se choque ao descobrir o filho planejando gastar 10 mil reais em uma viagem. Não é estranho também que – tendo sido criado sob a influência dos valores paternos – você se sinta mal em discordar do seu pai e dizer: sim, eu vou gastar esse tanto de dinheiro em um bem imaterial.
Não estou dizendo que seus pais direcionam a maneira como você gasta suas finanças. O dinheiro é seu, mas há sempre um lobby forte para gastá-lo do modo “certo”. Estocadas do tipo “vive viajando e tem um carro velho” ou “gasta muito com viagens e ainda paga aluguel”. É preciso ser compreensivo. Para seus pais ter uma casa e um carro eram conquistas gigantescas e o trabalho de uma vida. Isso tudo dá valor ao esforço deles. Porém, pode ser que você não se identifique tanto com essas metas. Talvez seu sonho seja pedir demissão e mochilar dois anos pelo mundo.
Uma atitude dessas – raras exceções – é algo impensável para a maioria dos pais. Aliás, diante de um plano desses eles devem ter martelado sua cabeça com histórias que começam com “na minha época não era essa moleza”. Eles não fazem isso por maldade, mas pelo simples fato de ter uma relação totalmente diferente com o dinheiro e o acesso aos bens materiais. Acontece que hoje muita coisa mudou. Uma máquina de lavar, um carro ou uma passagem para a Europa não são mais compras tão inacessíveis assim. Mesmo um imóvel – tão caro no passado – já é uma realidade bem mais palpável para pessoas com renda média.
Nenhum desses fatos mudará os conceitos arraigados na mente dos mais velhos. O mundo que eles conheceram era assim e pronto. Poucos deles vão compreender um gasto tão alto com viagens. Lhes parece até uma ofensa. Ora, eu lutei tanto para dar oportunidades a esse menino e o que ele faz? Gasta tudo em viagem!
Naturalmente esse tipo de crítica não vem só da família nuclear. Aquele primo bem-sucedido – o qual seguiu a cartilha dos mais velhos – sempre será considerado um bom exemplo. Ele tem um carrão e um apartamento no bairro mais vistoso da classe média. Essas conquistas nunca são fáceis. Pode ser que o primo bem visto nutra várias frustrações por não ter vivido certas coisas. Afinal, ele estava muito ocupado construindo um patrimônio.
Abraço!
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