“…acordou exausto pela péssima noite e rosnou de fome. Esse seria um dia diferente de todos os outros de sua vida, havia um objetivo traçado, uma esperança…”
“…sem pensar duas vezes, armado com um grosso cassetete de madeira, acertou um golpe forte na cabeça do franzino garoto que caiu no chão sangrando instantaneamente…”
“…sua peregrinação nas ruas já durava 9 anos, o que o transformou naturalmente, aos olhos insensíveis de quem o marginalizava, em um ser sujo e miserável…”
“…fez outro gesto com a cabeça, cumprimentou com um toque na mão e continuou sua caminhada até o semáforo. Queria contar sobre sua brilhante idéia de ser preso, mas não podia deixar que ninguém desconfiasse que faria tudo de propósito, podia atrapalhar seus planos…”
Quer continuar ajudando a escrever o primeiro livro interativo da blogosfera brasileira? Leia o segundo capítulo e escolha o destino do personagem para o próximo episódio de “O Comedor de Lixo”.
“O Comedor de lixo”, novo projeto do Sedentário & Hiperativo: uma análise sobre a falta de oportunidades no país que joga seu futuro na sarjeta.
NOTA DO AUTOR:
Boa noite parceiros. Agradeço pela excelente e importanter colaboração de todos no primeiro post de “O Comedor de Lixo”. A participação de vocês foi muito maior (e melhor) do que eu esperava! Espero que todos estejam empolgados com o desenvolvimento do enredo. As idéias de todos, muito boas e criativas, foram (ou serão) incorporadas no desenrolar da trajetória do nosso herói.
Gostei muito da idéia da doação de alimentos da Caroline, da tática usada pelo Patrick Deschamps de fazer perguntas e premiar os pequenos pedintes e a sugestão de Marivone de incorporar na estória os caminhões da prefeitura que “limpam a cidade dos indigentes”. Todas serão utilizadas nos próximos capítulos.
Agradecimentos especiais, também, a todos que fizeram chamadas de “O Comedor de Lixo” em seus sites e blogs:
http://umafabulasobreavaidade.wordpress.com
http://entaorelaxa.blogspot.com
Se você quiser nos ajudar ainda mais, façam uma chamada sobre “O Comedor de Lixo” em seu blog ou divulgue nosso projeto para amigos que gostam de leitura, para seu mailing list ou colegas de trabalho, no momento de ócio.
A publicação do nosso livro será semanal, toda quinta-feira. Portanto, aceitaremos colaborações para o capítulo seguinte até quarta-feira à noite.
Para aqueles que só estão tendo contato com o projeto agora, aconselho que comecem lendo o primeiro capítulo no link a seguir: O COMEDOR DE LIXO – CAPÍTULO 1 – QUAL O PREÇO DA LIBERDADE?
Vamos continuar participando e escolhendo o destino do nosso herói? Segue o segundo capítulo “O Comedor de Lixo”. Contamos com vocês!
CAPÍTULO 2:
O COMEDOR DE LIXO – CAPÍTULO 2 – O CRIME COMPENSA?
O Sol mal havia nascido. Acordou exausto pela péssima noite [1] e rosnou de fome, anunciando mais um dia de sobrevivência [2]. Esse seria um dia diferente de todos os outros de sua vida [3], havia um objetivo traçado, uma esperança, principalmente para ele, que pensava pouco, desejava pouco e apenas obedecia. O sereno da noite deixou seu cobertor e papelão ainda mais úmidos [4], lembrou, então, que, como seria preso, não precisaria mais deles e os esqueceu jogados na calçada [5].
Caminhou lentamente seguindo seu instinto de fome e, como um bicho [6] , farejou [7] uma padaria, na qual costumava tomar seu desjejum: alguns pães velhos que sempre sobravam na lixeira dos dias anteriores.
No caminho, repentinamente, jogou uma pedra em uma das vidraças de um prédio em construção, o primeiro estabelecimento que observou depois de acordar e virar a esquina [8]. Um senhor de idade já avançada, com a aparência de cansado, levantou de uma cadeira e foi em direção ao garoto, que não esboçou reação alguma, ficou aguardando a represália. Era vigia da construtora responsável pela empreitada, seus serviços foram contratados já que alguns dos materiais da obra estavam sumindo durante a noite. Sem pensar duas vezes, armado com um grosso cassetete de madeira, acertou um forte golpe na cabeça do garoto franzino [9] que caiu no chão sangrando instantaneamente.
– Ladrãozinho de merda! Quem ta tomando conta dessa porra agora aqui sou eu… Não vão roubar mais nem um tijolo, pode avisar a os outros maloqueiros.
A pancada foi tão forte que, quando conseguiu levantar, saiu correndo e se escondeu no meio da multidão, que já descarregava algumas caminhonetes do centro da cidade. Lavou o sangue em uma torneira em frente a uma borracharia e sentou-se, segurando o corte com a mão para que o sangue estancasse. Deveria ter outra idéia para pôr seu plano em prática, desse jeito se quebraria todo, mas não seria preso. Juntou algumas moedas, que ainda tinha no bolso, e comprou uma tubaína para acompanhar os pedaços de pão, mordidos, que encontrou na lixeira externa da padaria, seu café da manhã. Não poderia assaltar a loja do padeiro que sempre o deixou, altruistamente, fuçar seu lixo. [10]
Como de costume, sentou em frente à loja de eletrodomésticos e, pela vitrine, assistia a imagem da televisão. Sem som, mas aquelas telas gigantes, de 42 polegadas, e os programas matinais encantavam o garoto. Alguém passou apressado pela calçada e esbarrou nas suas costas, derrubando o pedaço de pão no chão, que logo foi soprado e engolido. Imaginou que se quebrasse um daqueles caros aparelhos com certeza seria preso imediatamente. Mas se um vidro de uma construção havia lhe causado uma pancada tão forte na cabeça, imagine aquela tela brilhante e mágica. Desistiu, afinal deveria haver um jeito menos dolorido de se ir para a cadeia. Levantou-se, após ser abordado por um guarda que o mandou circular, e seguiu rapidamente para seu semáforo de sempre, já estava atrasado, era hora de trabalhar. [11]
Ele não sabia [12], mas em seu registro de nascimento estava escrito Ricardo Brasil da Silva [13], filho de mãe solteira, presa desde que ele tinha 4 anos. Após a sentença que a levou à cadeia, foi encaminhado a um conselho tutelar e jogado num lar de órfãos [14], no qual permaneceu por dois anos, sem nenhuma perspectiva de adoção por ser completamente fora do biótipo desejado pelas famílias adotantes: era preto, feio e torto. Conseguiu fugir do lar, aos 6 anos, caminhando normalmente pela porta em um dia de visitas nos quais os futuros pais escolhiam suas crianças e ele era desconsiderado, tanto pelos colegas, quanto pelas diretoras da creche.
Sua peregrinação nas ruas já durava 9 anos, condição que o transformou, naturalmente, aos olhos insensíveis de quem o marginalizava, em um ser sujo e miserável [15]. Os poucos que o conheciam, nas ruas, o chamavam de Rato [16], pela sua constante proximidade à locais escuros e pela habilidade em transformar dejetos em refeições.
No semáforo, que não esperava seus empregados e já marcava o sinal verde, encontrou um garoto mais velho, seu conhecido:
– E aí Rato, bateu a cabeça?
Fez um gesto positivo com a cabeça, passando a mão de novo no corte ainda molhado e dolorido.
-Dormiu onde? Na praça não pode mais, né? Os policia estão embaçando…
Apontou com o braço direito para a marquise de uma loja de colchões que estava sendo aberta pelos empregados do expediente matutino.
-Frio pra caralho, né?
Fez outro gesto com a cabeça, cumprimentou com um toque na mão e continuou sua caminhada até o seu posto. Queria contar sobre sua brilhante idéia de ser preso, mas não podia deixar que ninguém desconfiasse que faria tudo de propósito, poderia atrapalhar seus planos. O sinal já marcava vermelho, estendeu a mão direita na horizontal e caminhou entre os carros com o pensamento vago. R$0,20. Sentia esperança, conforto e segurança de que tudo daria certo em seu plano. Se dependesse dele, hoje não dormiria mais ao relento.
Ele não era de muitas palavras. Mas gostava de ouvir as conversas de um jornaleiro que trabalha no mesmo semáforo, a voz dele afastava um pouco a solidão [17]. O sonho do rapaz de 21 anos era ser jornalista e, vendendo os jornais de carro em carro, se sentia espalhando as importantes notícias pelo mundo. Todos os dias chegava mais cedo para receber os volumes da gráfica, todos os dias, pois lia a edição de cabo a rabo. Do esporte aos classificados. O rapaz, contava, do seu jeito, as melhores manchetes para os colegas de semáforo, enquanto o sinal marcava verde. Limpadores de para brisas, malabaristas [18], pedintes, vendedores de balas e até, quando estava lá, o guardinha de trânsito paravam para ouvir. Era quando Ele, mesmo sem entender grande parte dos assuntos, se informava.
– Souberam dos polícias que entraram em greve? E o pior é que não pode, porque é ano de eleição! Aqui – lendo o jornal – ta escrito que é até in- cons-ti-tu-ci-o-nal. Eles tão reclamando de novo do salário, que tem 12 anos que não aumentam. Ontem eles foram pra frente da prefeitura e quebraram o pau lá. Ta saindo em tudo que é jornal do país que o sindicato ficou doido, que a greve é ilegal, que vai todo mundo perder o emprego! E o prefeito ia fazer o que? Ficou encurralado dentro do prédio e os segurança dele na porta. Dizem que ele vai ligar para o governador falar com o presidente, que já ta revoltado com isso, e liberar o exército na rua, que nem aconteceu lá na capital, já que não tem polícia pra parar a polícia. Agora, meu salário nunca aumentou, se eu e os outros jornaleiros fosse entrar em greve chegavam os polícia tudo de uma vez e descia o cacete até matar três ou quatro… Mas qual é a polícia que vai bater na polícia?
O sinal fechou e cada um tomou seus postos, para mais uma jornada de 45 segundos, na vez passada havia arrecadado 2 moedas de 5 centavos e uma moeda de 10 centavos, já estava com lucro. Desatento, mais uma vez, com a mão erguida e circulando entre os carros, pensava se esse tal de exército do presidente também prendia. Se era do presidente, a prisão deveria ser muito melhor. Torceu para que eles realmente invadissem a cidade.
O dia, diferentemente, estava passando rápido. Cada sinal aberto era novo motivo para pensar em uma nova tática enquanto aguardava a marca vermelha. Fechou. Circulando entre os carros viu um automóvel preto, na pista do meio, com uma janela meia aberta e uma bolsa no banco vazio do passageiro. A mulher que falava ao celular, nem percebia que aquela era a oportunidade perfeita para Ele botar seu plano em prática. Se aproximou do carro e pensou o que faria quando puxasse a bolsa [19]. Correr para onde? Demorou demais e o semáforo abriu, os carros aceleraram e sua grande chance passou. Se fosse tentar arrancar uma bolsa de um carro deveria escolher outra esquina e outro semáforo, os trabalhadores do seu sinal se orgulhavam de tranqüilidade do lugar e Ele não poderia tirar a credibilidade do ponto, prejudicando seus colegas de atividade [20].
Com o Sol a pino, depois de juntar 1 real e 15 centavos, decidiu caminhar pela cidade procurando oportunidades de cometer crimes. Passou, como quase todos os dias, pela frente do shopping center. Nunca haviam o deixado entrar no grande prédio, nem mesmo ficar sentindo o ar frio que escapava quando alguém passava pela porta. Decidiu que, por mais que o segurança o enxotasse, empurrasse e o puxasse com toda a força pela orelha, essa era a oportunidade de matar a curiosidade sobre o interior do estabelecimento e conseguir alguma confusão com a polícia. Uma bela moça rapidamente saiu do shopping com as duas mãos ocupadas – uma pela sacola de compras transparente preenchida por uma grande caixa vermelha e um laço prateado bem amarrado, a outra mão segurava uns óculos escuros que, ao empurrar a porta com o lado do corpo, tentava encaixar na cabeça, fechando levemente os olhos por causa do Sol. Ele, vendo aquela oportunidade, segurou firme a porta que balançava para dentro e para fora, depois da apressada passagem da mulher, e entrou com toda a velocidade que conseguiu. Dois passos para dentro e parou. Aquela era a saída da praça de alimentação, letreiros gigantes esbanjando pratos deliciosos em iluminadas cores, que Ele nunca tinha visto. Muita gente andando para todos os lados, bandejas em cima das mesas e lixeiras espalhadas por todos os lugares, claro que repletas de comida. Nunca havia imaginado que um lugar assim poderia existir…
Quando se deu conta já estava fora do shopping, segurado pelo braço por um segurança negro com quase dois metros de altura, que com uma voz suave falou:
– Não entra aqui não, rapaz… Senão eu perco meu emprego.
Bateu levemente duas vezes na cabeça dele e o guiou, com o olhar, para a saída do estacionamento. Percebeu que dentro daquele lugar inacreditavelmente fabuloso não conseguiria pensar em nada que o levasse para a prisão. Seguiu por mais dois quarteirões tentando se lembrar de todas as cores, comidas e lixeiras que tinha visto. Com seu R$ 1,15 do dia comprou seu jantar, um patro frio de feijão com arroz e salsicha, que havia sobrado de um restaurante popular. Às 17 horas, voltou para a praça, onde seus amigos costumavam se encontrar ao cair da tarde.
Cinco moleques, ao lado da revitalizada fonte, chutavam uma bola de um lado para o outro, se empurrando, sorrindo e caindo no chão. Quando estavam sozinhos, eram invisíveis aos populares que transitavam pela região, mas, em grupo, se tornavam uma ameaça e até suas brincadeiras ingênuas causavam temor aos cidadãos que já voltavam de seus trabalhos, quando apressavam o passo e seguravam seus pertences com força junto ao corpo. [21]. Ele correu em direção aos outros garotos e deu um chute na bola de meia, entrando na brincadeira e esboçando um tímido sorriso. Alguns minutos depois, sentaram-se no muro da fonte e beberam a água que jorrava da boca de um anjo de concreto. Escurecia e dois dos garotos se despediram, pegaram a bola, e voltaram para casa. Os que sobraram iniciaram uma conversa:
– Filho da puta, podia deixar a bola!
– Jajá fica de noite mesmo e o guarda vem mandar a gente sair da praça…
– Hoje minha mãe disse que a gente vai dormir no ponto de ônibus, perto do hospital.
Ele interrompeu os outros garotos e, com a voz baixa e olhando para a fonte disse:
– Entrei no xópi!
Os outros meninos mostraram espantos e Ele continuou:
– Todo tipo de comida do mundo…
– E o que você foi fazer dentro do xópi?
Percebeu que já estava falando demais, não podia deixar escapar seu plano para os outros meninos, afinal, uma idéia genial dessa seria copiada e atrapalhariam bastante seu projeto. Pensou rapidamente em uma resposta qualquer, olhou para o chão e disse com a voz um pouco mais alta:
-Pedir!
Depois de alguns minutos de conversa se separaram. Cada um seguiu seu caminho e Ele foi para o mesmo lugar que havia dormido no dia anterior, a marquise da loja de colchões. Gostava de ficar deitado, olhando para dentro da loja e imaginando como seria dormir em um daqueles colchões da vitrine. Não tinha mais seu papelão nem sua manta, forrou o chão com alguns sacos plásticos e deitou pensando que ser preso não seria uma tarefa tão simples.
COLABORAÇÕES DESTE CAPÍTULO:
1. victor
2. victor
3. victor
4. Frisione www.pernaspraquetequero.com e Carlos Gomes
5. Anacorplayba www.anarcoblog.wordpress.com
6. caroline http://freewebs.com/espacoastrologia
7. thahy http://intensidade.wordpress.com/
8. Poshiri Campello
9. Antonio Reinaldo e Paulo Craici
10. Marcos Leandro – http://etcsa.blogspot.com, K-prA e Anarcoplayba www.anarcoblog.wordpress.com
11. Giulianna Porto http://ifoundfirst.blogspot.com
12. Marivone http://umafabulasobreavaidade.wordpress.com
13. Poshiri Campelo e Gonbata
14. K-prA
15. Leonardo
16. Gonbata, André Subla http://www.andrevitorino.com, K-prA, Geludos, Frisione www.pernaspraquetequero.com e Paulo Craici
17. junior
18. fernando morelli
19. fernando morelli, Marco Leandr, K-prA e Anarcoplayba www.anarcoblog.wordpress.com
20. Anarcoplayba www.anarcoblog.wordpress.com
21. Geludos
Como vocês perceberam, no decorrer do texto sinalizamos as passagens que foram sugeridas pelos nossos leitores/escritores. Para conferir os trechos que foram utilizados, basta ler os comentários dos leitores/escritores no post anterior clickando no link: O Comedor de Lixo – Colaborações Para o Capítulo 2
PROPOSTAS DE INTERAÇÃO PARA O PRÓXIMO CAPÍTULO:
1 – Chegou a hora de introduzirmos alguns novos personagens. Decidam: Rato deve ser acordado, com um tapa na cabeça, por Bino (minitraficante da região, 19 anos) ou por Júlio (malabarista, colega de trabalho no semáforo, 25 anos), entregando-o um sanduíche e um copo de leite?
2 – Neste segundo capítulo esboçamos um pouco sobre o passado do Rato, nosso herói. Mas ainda há uma lacuna muito grande quanto ao que ocorreu antes de ele tomar a grande decisão de que deveria ser preso, para comer e dormir à custa do Estado. O que poderia ter acontecido no passado do nosso herói que o fez fugir do lar para órfãos? Onde estão seus pais? Há algum documento, perdido em algum lugar, que comprove a cidadania e o passado do personagem?
3 – Agora que já conhecemos um pouco sobre a índole do nosso herói. Quais as novas atitudes que Rato deve tomar para conseguir por seu plano em prática? Ou ele deve desistir de ser preso? O crime compensa?
4 – Ainda precisamos de fotos, imagens ou desenhos para ilustrar a história. Enviem suas propostas para [email protected]
5 – O que vocês esperam da atuação da administração pública para tutelas os direitos da criança e do adolescente? A época de eleição está chegando, como poderíamos incorporar isso na trajetória do nosso personagem?
Lembrem-se de que como pano de fundo para a história, devemos tratar de assuntos que proponham a discussão da política pública atual e como nós, cidadãos, temos o dever de lutar para que as divergências sociais sejam cada vez menores.
Todas as colaborações terão as fontes respeitadas, com seu link, em notas de rodapé durante a história. Abraços, botem a imaginação para funcionar, contamos com vocês!
Até a próxima quinta-feira!