O deslumbre natural de Pucon

Era noite quando embarquei na rodoviária de Santiago. Seguia rumo a Pucon, uma pequena localidade distante uns 800 quilômetros da capital. A viagem durou a noite inteira. Pouco depois da alvorada subitamente um fantasma apareceu no horizonte. Tratava-se do vulcão Villarrica coberto de neve em um belo contraste com o céu azul. Meu queixo caiu. Era como se a paisagem me dissesse sem qualquer cerimônia: muito prazer, eu sou o sul do Chile.

Dessa vez viajei com um grupo de amigos, total de cinco pessoas. Viajar em conjunto pode ser um desafio logístico e um teste de temperamentos, mas também é uma bela oportunidade de economizar.

Decidimos ficar nas Cabañas Mapulay, uma hospedagem muito bem localizada, próxima ao centro da cidade. Pucon oferece muitas opções como essa, mas algumas ficam distantes da cidade em si. Na hora de escolher é importante se atentar a esse fato. Pagamos cerca de 40.000 pesos* (175 reais) por pessoa para três diárias em uma cabana muito confortável com três quartos, dois banheiros e cozinha completa.

Logo fomos explorar a cidade e o tempo começou a mudar. O vulcão desapareceu em meio às nuvens e tememos não vê-lo mais. O sul do Chile tem um clima muito chuvoso e instável. Há relatos de viajantes que passaram dias em Pucon e não viram o Villarrica. Existe o papo que entre janeiro e fevereiro São Pedro dá uma estia aos turistas, mas não é garantido. De qualquer forma, apesar das nuvens, não chovia e continuamos a caminhada.

Se não fosse por sua população hospitaleira, Pucon poderia facilmente passar por uma cidade cenográfica. Todas as casas são bem ajeitadas e há um ar de organização européia. O comércio local é amplamente voltado para o turismo, por isso é fácil achar restaurantes, bares e agências que vendem passeios. Na avenida principal (O’higgins) há um semáforo de alerta vulcânico, um monitoramento em cores do vulcão Villarrica. A última grande erupção aconteceu em 1984, mas vez ou outra é possível ver o brilho da lava no cume quando já é noite.

Se o sinal ficar vermelho é melhor correr

Bem perto do centro está o lago Villarrica. Ele é formado pelo degelo da neve acumulada no vulcão e nem preciso dizer que a temperatura da água é baixa. Mesmo assim muitos chilenos encaram o desafio de tomar banho. A areia da prainha do lago é vulcânica, dando à paisagem uma peculiar coloração cinza escuro.

A bela areia negra na orla do Lago Villarrica

Passava muito do meio-dia quando decidimos parar em um restaurante chamado Coppa Kabana. Os restaurantes em Pucon oferecem pratos variados, os quais sempre incluem o famoso Bife a lo Pobre, Congrio a la Plancha e outros tipos de carnes e peixes. Eu optei por um belo filé de truta acompanhando de batatas fritas (4.000 pesos – 18 reais). Vale experimentar também a empanada deles, uma delícia.

Retornamos à Avenida O’higgins para tentar acertar algum tour para o dia seguinte. Há em Pucon uma farta oferta de agências oferecendo passeios que vão desde a ascensão ao vulcão até rafting nas corredeiras do rio Trancura. Nossa idéia era visitar um dos muitos termas que existem nas imediações. Optamos pelo melhor de todos, as sensacionais Termas Geométricas. Fechamos com a agência Informaciones y Servicios Turisticos em 30.000 pesos (130 reais) por cabeça o transporte até lá já incluindo as entradas e as toalhas. Agendamos para o dia seguinte depois do almoço.

O cenário de uma ruazinha qualquer em Pucon

Vagamos mais um pouco pela cidade e encontramos o Mercado Municipal com suas variadas opções de souvenirs e artesanato, talvez o melhor lugar para comprar essas coisas na cidade. Voltamos ao lago e comemos uns ótimos chocolates num lugar chamado Spezialitaten. Nesse ponto já passava das cinco da tarde e o cansaço da noite no ônibus pesou. Decidimos não sair para jantar, mas sim comprar alguma coisa para comer na cabana. A noite foi regada a nachos, azeitonas, salame e muito vinho. Aliás, os vinhos do Chile dispensam meus comentários, tanto pelo valor acessível quanto pela qualidade.

O Mercado Municipal, bom lugar para comprar souvenirs

A cozinha da cabana era totalmente equipada e matar uma refeição lá ajudou a segurar a grana. Essa é a principal vantagem da viagem em grupo: a economia. Com mais gente é possível barganhar melhor os passeios, dividir o rango no restaurante quando o prato é bem servido e ficar em hospedagens mais amplas e conseqüentemente mais equipadas.

É importante notar que essa questão logística da viagem em grupo deve ser bem administrada, caso contrário se tornará um grande problema em vez de vantagem. Um exemplo para ilustrar: digamos que um incursionista inexperiente opte por uma cabana menor, com apenas um banheiro. Imagine cinco pessoas nessa situação. Se o primeiro viajante for tomar banho às 8 horas da manhã e levar apenas 10 minutos, o último a usar o banheiro estará pronto para sair somente 50 minutos depois. É uma perda de tempo enorme, em especial para quem se apronta primeiro. Nesses casos o essencial é lembrar dos detalhes para evitar armadilhas.

No aspecto humano da coisa, o grupo dá a oportunidade de compartilhar as experiências vividas durante a incursão, um elemento que torna a viagem mais divertida. Até mesmo quando já estamos de volta as lembranças são mais vivas quando divididas com as pessoas que presenciaram os mesmos momentos.

Naturalmente existem os aspectos negativos. Alguns dizem que a gente só conhece alguém quando viaja com essa pessoa, por isso é importante escolher com cuidado seus companheiros de incursão. Às vezes aquele camarada legal que conta piadas no boteco é uma péssima companhia para viajar. No meu caso conhecia bem as pessoas e não tive surpresas. Os integrantes do grupo tinham ritmos parecidos e as idéias de passeio também. Além disso, não viam qualquer problema em fazer atividades em separado se fosse o caso. A coisa fluiu tão bem que – mesmo cansados – seguimos conversando e as cinco garrafas de vinho adquiridas secaram lá pelas duas da manhã.

No dia seguinte ninguém acordou cedo. Amanheceu chovendo e o vulcão teimosamente escondido em meio à neblina. Uma ansiedade ia crescendo em todos. Será que só veríamos o Villarrica aquele tempinho no primeiro dia? Em todo caso era dia de visitar as águas quentes e ter sol ou não pouco importava. Ao meio dia fizemos um lanche rápido, eu comi sanduíche de carne com guacamole (2.100 pesos) e à uma da tarde pegamos a van rumo às Termas Geométricas.

De Pucon até lá são aproximadamente 90 minutos de trajeto. No caminho é possível ver o belo Lago Calafquén. Após passarmos pela cidade de Coñaripe, a van pegou 16 quilômetros de intensa subida numa estrada de terra vulcânica. É o trecho mais lento da viagem, mas vale o esforço. É tudo bem preservado, chegamos a ver uma lebre selvagem.

Como posso descrever as Termas Geométricas? Imagina o encontro entre as bases de duas montanhas cobertas de vegetação. Da encosta delas a água do degelo escorre e forma uma riacho. Acontece que em alguns pontos mina água quente. O proprietário do lugar teve a presença de espírito de não interferir demais na paisagem.

As esteiras vermelhas das Termas Geométricas

Ele simplesmente construiu um caminho de esteiras de madeira sobre o curso d’água. Onde a água quente aparece foram construídas pequenas piscinas (17 no total), cada uma com temperatura diferente. Uma boa dica é entrar primeiro nas piscinas de temperaturas mais baixas e ir, paulatinamente, mudando para as de temperatura mais elevada. O espaço conta ainda com alguns vestiários e um pequeno restaurante. O cenário é – na falta de qualquer outra palavra – deslumbrante.

São 17 piscinas à disposição do relax

Depois de um molho de três horas no paraíso voltamos a Pucon. O vulcão Villarrica permanecia escondido, agora sob uma camada menos espessa de nuvens, já era possível ver alguma coisa. Quando finalmente chegamos à cidade a dona da agência perguntou se gostaríamos de fazer o passeio até a base do vulcão.

O Villarrica teimosamente escondido

Ninguém tinha pensado nisso até então, mas a idéia parecia interessante. Ainda mais que ela garantiu bom clima para o dia seguinte, de acordo com o boletim metereológico. Fechamos em 15.000 pesos (65 reais) o passeio até lá, incluindo o mesmo carro, o mesmo motorista e um guia. Agora era rezar para a previsão do tempo realmente funcionar.

Demos mais algumas voltas na cidade, mas praticamente tudo já era conhecido. Pucon é pequena mesmo, são só cerca de 20 mil habitantes. O lugar é repleto de cães enormes e gordos, todos da rua mesmo. Muitas vezes alguns deles nos seguiam sem motivo aparente, ficavam um tempão ao nosso lado. Os animais são muito bem tratados e parecem os chefes do pedaço.

Os cães de rua são bem tratados e abordam os viajantes

O dia estava frio e o pessoal animou um copo de chocolate belga com torta de maçã, refeição que pelo adiantado da hora foi praticamente uma janta. Em mais uma passada no supermercado nos reabastecemos com mais vinhos e ingredientes para um cachorro-quente.

Na manhã seguinte eu acordei cedo, antes de todos. Olhei na janela e o céu estava limpo com o Villarrica imenso e nevado. É impossível não se deixar impressionar com a magnitude dessa obra espetacular da natureza.

Um belo dia de sol para ascender ao vulcão

Depois de um belo café da manhã, pegamos a van na agência às nove horas. No trajeto de ida pedimos ao motorista para que ele parasse um pouco na estrada para que pudéssemos admirar o vulcão. Em quarenta minutos encontramos a base. No inverno Pucon é um destino bem conhecido dos amantes de ski. Durante o verão não há prática do esporte, mas em compensação as turmas de montanhistas que seguem até o cume não deixam de movimentar o lugar.

O início da caminhada até a neve

A neve ainda estava a quase um quilômetro de distância e – com a ajuda do guia – começamos a andar até lá. Depois de uma hora de esforço, as pernas doendo e uma porrada de cinza entrando no sapato, chegamos.

De perto o Villarrica continua bonito

A subida um pouco cansativa compensa pelo belo visual. Dessa parte mais alta foi possível ver um outro vulcão (Llmaia) e parte da Cordilheira dos Andes. Rendeu ótimas fotos.

O vulcão Llaima pode ser visto no horizonte

O excelente dia de visita ao vulcão também era o último de estada em Pucon. Na manhã seguinte seguiríamos ainda mais ao sul. Decidimos que a despedida seria um passeio de bicicleta pela cidade ao entardecer. O aluguel das bikes foi uma cortesia da agência, uma vez que tínhamos deixado uma boa grana lá. Mais uma vantagem das viagens em grupo.

As nuvens já cobriam o Villarica, não voltaríamos a vê-lo. A luz amarela do ocaso esverdeava ainda mais o lago. Largar tudo e viver numa casa daquelas de frente para o vulcão, difícil não pensar nessa possibilidade.

O Villarrica se despede escondido

As paisagens do sul do Chile não deixam nada a desejar se comparadas a outros cenários similares, tais como os Alpes ou as Montanhas Rochosas. Lagos, pinheiros, montanhas nevadas. A diferença é que essa beleza toda é vizinha nossa, por isso não sai caro. O que você está esperando?

Abraço!

Pedro Schmaus

Resumo dos gastos

Passagem de ônibus Santiago Pucon: 23.000 pesos
Diária nas Cabañas Mapulay: 40.000 pesos por pessoa (3 diárias)
Almoço no Coppa Kabana: 4.000 pesos
Passeio às Termas Geométricas: 30.000 pesos, incluindo transporte e entrada
Sanduba caprichado: 2.100 pesos
Passeio à base do Vulcão Villarrica: 15.000 pesos

*Observação sobre o câmbio no sul do Chile

Em Santiago a troca de reais por pesos chilenos é feita num preço adequado, algo como 1 real para 235 pesos. A troca por dólares é na faixa de 1 dólar para 480 pesos. Nas cidades do sul os valores caem para ambas as moedas, sendo o real mais prejudicado que o dólar (1 real valia em média 200 pesos). Portanto, minha dica é trocar reais ou dólares em Santiago. Caso o viajante não passe por lá, o melhor é comprar dólares (a moeda menos prejudicada) no Brasil e trocar por pesos chileno.

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