Olá, adeptos do sedentarismo! Bem-vindos à nova coluna Sarjeta dos Quadrinhos, na qual mostramos as entrelinhas do universo das HQs.
Ao contrário do que parece, o nome não tem nada de pejorativo, pois, na linguagem dos gibis, as sarjetas são aqueles espaços entre os quadros que servem para que o leitor complete uma ação mostrada entre eles. Ou seja, é nesse espaço que o leitor deixa de ser apenas um expectador da história e faz sua participação completando a narrativa.
Portanto, nada mais justo do que nomear esta coluna de Sarjeta dos Quadrinhos, um espaço aberto pra discutir as entrelinhas das HQs.
Minha graça (ui) é Raphael Fernandes e sou (des)conhecido pelo meu trabalho como redator da revista Wizmania, especializada em HQs, e por editar a versão brasileira da MAD, a mais tradicional revista de humor do mundo (grandes bos%@$).
WATCHMEN E A DESCONSTRUÇÃO DOS SUPER-HERÓIS
Vou começar esta primeira coluna da melhor forma possível, falando sobre uma das melhores histórias em quadrinhos de todos os tempos: a obrigatória Watchmen. O quê? Você não faz a menor ideia do que se trata? Nem mesmo está sabendo que este ano estreia uma ousada adaptação pras telonas? Não se sinta menosprezado, até o final deste texto você vai descobrir que ainda existe uma chance de você mudar essa sua falha de caráter.
Nove entre cada dez fãs de quadrinhos vão apontar Watchmen como uma das mais importantes HQs de todos os tempos. Escrita pelo mago dos quadrinhos Alan Moore (V de Vingança; Monstro do Pântano) e desenhada pelo não menos genial Dave Gibbons (Superman; The Originals), a obra foi lançada nos Estados Unidos em 1986 como uma minissérie em 12 partes. Porém, ela também se popularizou com as edições encadernadas.
Muitos são os fatores que elevam Watchmen ao caráter de obra-prima, mas o mais importante é que os autores tentaram mostrar como seria um mundo em que os vigilantes encapuzados realmente existem. Moore imaginou qual seria a influência de um herói, neste caso o azulado Dr. Manhattan, cujos poderes são equivalentes aos de um deus – que muda toda a história ao ficar do lado dos Estados Unidos durante a Guerra Fria.
A influência dos heróis era grande e a população reagiu com protestos e greves dos policiais. Para controlar as massas, o governo proibiu a ação de vigilantes mascarados – exceto pelo indispensável Dr. Manhattan e pelo cão de guerra Comediante. A primeira edição da série começa com a morte deste último e dá início às investigações do anti-herói renegado Rorschach, que suspeita que alguém está tentando matar todos os mascarados.
A revolução nas bancas brasileiras
No Brasil, a obra chegou às bancas pela primeira vez entre 1988 e 1989, pela Editora Abril, como uma mini em seis partes. Watchmen causou mais impacto do que Batman: O Cavaleiro das Trevas (lançada aqui em 1987), de Frank Miller, e mudou o conceito de histórias em quadrinhos por aqui. Naquela época, a maioria dos gibis era produzida em formatinho e considerada coisa de criança, mas aquelas edições em formato americano e conteúdo adulto revolucionaram o mercado. A série pode ser considerada o estopim da popularização dos quadrinhos como arte e alavancou o mercado de graphic novels como nenhuma HQ europeia foi capaz.Em 1999, a revista foi reeditada no formato original de 12 edições e relançada com um tratamento especial pela Editora Abril. Já em 2005, a obra foi lançada em quatro encadernados pela Via Lettera, que então pertencia ao lendário Jotapê Martins, que traduziu todas as versões de Watchmen no Brasil.
Os Bastidores de Watchmen e a edição absoluta Se você se interessou pela obra e não faz ideia de onde encontrá-la, não se preocupe! A Panini vai lançar a série em duas versões: a econômica, em duas partes com papel pisa-brite, nova tradução e totalmente recolorida digitalmente; e Watchmen – Edição Definitiva, que reúne tudo isso em um único volume encadernado de capa dura, papel LWC e muitos extras, como esboços, entrevistas, roteiros originais e tudo o que você gostaria de saber sobre essa obra-prima dos quadrinhos. A edição de luxo terá 460 páginas e será lançada em 3 de março pela bagatela de R$ 120,00.
Para aqueles leitores que são loucos pra saber como a série foi produzida, a editora Aleph acaba de lançar Os Bastidores de Watchmen, do desenhista Dave Gibbons (com tratamento gráfico de Chip Kidd e Mike Essl). O livro relata de forma surpreendente o processo de criação da obra sob o ponto de vista de Gibbons, além de mostrar, com uma qualidade surpreendente, todos os esquemas originais de cada edição da obra, o processo de criação dos personagens e muitas outras informações pra nerd nenhum botar defeito.
Quem vigia a adaptação de Watchmen? Caso você não queira se aprofundar tanto e não tem muita paciência pra ler as mais de 300 páginas de Watchmen (se não tem saco pra ler, como chegou até aqui neste texto?), não precisa se preocupar. No próximo dia 6 de março, estreia nas telonas a adaptação homônima com direção de Zack Snider, o mesmo cara que adaptou Os 300 de Esparta do escritor e desenhista Frank Miller aos cinemas no filme 300 (2006). Snider cultiva a esperança de que Alan Moore veja, nem que de relance, a sua adaptação; porém, o autor já afirmou que não verá esse filme por nada neste mundo.
Por pouco, a Warner não consegue levar Watchmen às telonas por causa de um processo movido pela Fox, alegando ser a detentora dos direitos de distribuição do filme. No entanto, graças a um acordo entre as duas empresas no começo deste ano (muitos acreditam que a Warner liberou a Fox pra vender DVDs da série do Batman dos anos 1960), Watchmen terá garantia de exibição pelo menos no Brasil. Pra ter uma noção do que você quase perdeu, veja o trailer.
Como em todas as adaptações pro cinema de suas obras, Alan Moore não aprova esse tipo de “perversão” de seu trabalho. O autor afirma no documentário The Mindscape of Alan Moore (2003), de Dez Vylenz, que histórias como Watchmen foram escritas especificamente pra linguagem dos quadrinhos e que quando foi procurado por Terry Gillian (diretor cotado pro filme até então), ele o convenceu de que era impossível adaptar a história pro cinema sem deixá-la rasa demais.
Na humilde opinião desse colunista, as pequenas nuances de Watchmen seriam perdidas e o conteúdo totalmente deturpado, restando apenas uma versão pasteurizada e sem graça, como pudemos ver em Liga Extraordinária (2003), Do Inferno (2001) e V de Vingança (2005).
Será que o Moore já sabe do jogo?
Pra quem está pouco se lixando pros chiliques criativos de Moore e só querem controlar o Rorschach e quebrar os dedos de toda a bandidagem, a Variety acaba de anunciar que a Deadline Games vai lançar o jogo Watchmen: The End is Nigh. Os gráficos do game ficaram matadores, além de prometer boas pancadarias pras plataformas PC, PS3 e Xbox 360. Veja o trailer do jogo.
Onomatopéias
Aproveito pra fechar esta primeira coluna com algumas dicas pra galera que é obcecada pelo mundo do escritor Alan Moore.
A primeira é o documentário The Mindscape of Alan Moore, que nada mais é que uma longa entrevista com o mago dos quadrinhos. Porém, as HQs são apenas o pano de fundo pras reflexões profundas sobre o universo, a humanidade, a arte, a magia e, claro, sobre as adaptações de suas obras pros quadrinhos. Mas os fãs vão ter que se contentar com alguns trechos disponibilizados no Youtube, pois o DVD ainda não foi lançado por aqui.
Outra importante fonte de informação é o site Alan Moore – Senhor do Caos, de José Carlos Neves, que se tornou um especialista na obra do barbudo.
Veja um episódio do programa humorístico Massaroca sacaneando toda a mídia em torno da adaptação e do lançamento das novas edições encadernadas de luxo.
A MAD gringa também entrou nessa e distribuiu gratuitamente na San Diego ComicCon 2008 uma edição especial com uma sátira da HQ do Watchmen. Mas achou pouco e agora vai sacanear o filme na edição de 499 de março. Já na versão brasileira da revista… bom, existe uma chance de isso ser capa de uma das próximas edições.
Até a próxima semana, quando faremos uma análise de Watchmen e quem sabe já comparando a obra com o filme! Enquanto isso, vou me perder nas sarjetas das histórias em quadrinhos.